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Ouro Preto
15 de outubro de 2021Por Karina Peres
Na tarde desta quarta-feira (13), a Câmara Municipal de Ouro Preto realizou a 32ª Audiência Pública da casa, que teve como tema: “Medidas de informação e proteção às gestantes e parturientes contra a violência obstétrica no município”. A discussão foi proposta pela vereadora Lilian França (PDT) e contou com a participação de doulas e representantes da área da saúde. Durante a audiência diversas mulheres denunciaram violências sofridas nos partos realizados na Santa Casa da Misericórdia de Ouro Preto.
O evento iniciou com a doula Jaqueline Lourenço de Souza, explicando que a política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher, tem o objetivo de combater todos os tipos de hostilidade e que apesar da violência obstétrica não está conceituada dentro dessa política, ela precisa ser contemplada. “Essa violência é tratada a partir de uma perspectiva de gênero e de uma visão integrada desse fenômeno, portanto, a violência obstétrica deve sim ser contemplada com seus planos de ações para combate e enfrentamento a esse tipo de situação”, ressaltou.
Durante a audiência, Jaqueline trouxe alguns dados obtidos por uma pesquisa realizada pelo Projeto Gestar sobre a violência obstétrica vivenciada por 25 mulheres de Ouro Preto. O estudo revelou que somente 39% das mulheres que responderam aos formulários tiveram acesso a um acompanhante durante o parto, fato que é garantido por lei. Além disso, 85% delas não tiveram oferta de água e alimentos durante os procedimentos do parto e 80% das que passaram por algum procedimento doloroso durante o parto não foram avisadas previamente sobre as intervenções.
Jaqueline também explicou que é observado um crescimento contínuo da medicação e hospitalização do parto e que isso pode prejudicar a mulher. “Muitas vezes isso resulta no isolamento hospitalar da grávida, deixando-as vulneráveis e sem vínculos, trazendo consequências para a saúde física e mental. Por isso, o acompanhamento com a doula deve ser considerado um importante instrumento contra a violência obstétrica, levando à diminuição desses altos índices de violência e cesária, impactando positivamente na saúde física delas. A atuação da doula é reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde”, afirmou Jaqueline.
Violência obstétrica na Santa Casa
A gestante Patrícia Oliveira, participou da audiência e afirmou ter medo de fazer o parto na Santa Casa. “Tem muitas práticas ali na Santa Casa, dos plantonistas, que me deixaram com medo de ter o meu bebê aqui em Ouro Preto. Eu passei por alguns profissionais de lá e tive experiências complexas, tentaram me vender cesáreas, fui desmerecida das minhas vontades, entre outras coisas. Parece que o hospital daqui não está preparado para acolher gestantes”, afirmou Patrícia.
A mãe e doula, Elina Pena, também fez um relato sobre a violência que sofreu dentro do plantão da Santa Casa no seu parto. “A lembrança que eu tenho do meu parto é a médica gritando que eu ia matar a minha filha porque eu recusei uma episiotomia (incisão no períneo). Eu pari com a médica aos berros, depois disso fui para o quarto e fiquei abandonada, nenhum médico foi me ver e os enfermeiros só iam na porta. Eu enviei meu relato para a ouvidoria da Santa Casa e nunca obtive respostas. Entrar lá, me dá ataques de pânico”, relatou Elina.
A doula e gestante Luana Freitas, também afirmou ter sofrido violência obstétrica no hospital. “Eu sofri essa violência na Santa Casa a 8 anos atrás, primeiro, eu fui induzida a uma cesariana mesmo a obstetra sabendo que eu queria ter um parto normal, por eu não ter passado pelo trabalho de parto o meu filho hoje tem problemas pulmonares. Além disso, eu fui amarrada na cama, eu sofri a manobra de kristeller, que na época já era proibida. Subiram na minha barriga e lesionaram a minha costela e o meu filho teve colírio de nitrato de prata pingado no olho sem indicação e teve conjuntivite por meses por causa disso”, relatou.
Posicionamento da instituição
Leandro Moreira, gerente assistencial da Santa Casa, participou da audiência e disse reconhecer as experiências negativas. “Em 2020 foram 586 partos dentro da Santa Casa, assim como temos experiências negativas e reconheço que elas são possíveis de acontecer, nós também temos experiências exitosas. Espero que o seu parto (Luana) seja com a gente e que seja diferente, para isso que estamos aqui”, afirmou.
O gerente também foi questionado sobre o fechamento do banco de leite materno. Ele explicou que a Santa Casa apenas deu o espaço e que todos os outros profissionais eram cedidos pelo município. “Isso ao longo dos anos foi se perdendo e a Santa Casa teve que assumir esse compromisso, passando a ser um serviço sem incentivo. A política do banco de leite ao longo dos anos foi se enfraquecendo e perdendo forças. Antes do fechamento tentamos outras alternativas e continuamos buscando uma solução, mas não é fácil porque tudo tem um custo de equipe e de logística”, explicou.
Doulas na Santa Casa
Jaqueline contou que em 2015 o Coletivo de Doulas de Ouro Preto realizou diversos trabalhos voluntários na Santa Casa, como o acompanhamento de parto e oficinas de prática das parturientes, que melhoraram os atendimentos obstétricos no hospital. “Até 2019 tivemos uma boa parceria com a Santa Casa, chegamos a fazer uma norma de conduta das doulas e conseguimos mobilizar diversas doações de equipamentos de partos. Até mesmo os profissionais mais antigos da casa passaram a reconhecer nosso trabalho e a recomendar alguns dos nossos procedimentos. Mas apesar disso, também tivemos alguns conflitos, como a remuneração das doulas. Nesse momento, nós entendemos que a Santa Casa está vivendo um retrocesso com as doulas, durante a pandemia o hospital proibiu a nossa entrada e nós entendemos, mas ainda hoje a Santa Casa está com essa proibição, mas está permitindo a entrada de outros profissionais”, contou Jaqueline.
Leandro explicou que a instituição segue as recomendações das portarias da Anvisa, que pede a diminuição de pessoas circulando pelo hospital, mas afirmou que as discussões para a possibilidade da liberação das doulas já foram iniciadas. “Estamos abertos à discussão, o cenário de hoje é diferente do de seis meses atrás”, afirmou.
Pouca adesão dos vereadores da casa
Além do seu relato sobre a violência obstétrica sofrida na Santa Casa, Luana Freitas também questionou a falta de adesão dos outros vereadores da câmara. “Eu queria demonstrar a minha indignação pela ausência quase absoluta dos vereadores desta casa. Eu queria entender a razão dessa ausência e entender se essa pauta não é de interesse de todos, só da vereadora Lilian”, questionou.
Sobre o assunto, Lilian ressaltou que a pauta feminina não é somente dela, mas sim de todos. “Eu me sinto envergonhada de não ter outros colegas vereadores aqui conosco hoje, porque eu acho que eles não imaginam a importância desse assunto”, disse a vereadora.
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