quarta-feira, 9 de maio de 2018

A cidade eterna

Amadeu Garrido de Paula



Fugidias e desconexas percepções da noite em transe permitiram-me intuir o que Tomásio Campanella e Tomás Morus procuraram trazer a esta vida, em a Cidade do Sol e a Utopia, seus princípios que caíram triturados sob os torniquetes da razão.


Na cidade que nos aguarda há uma réplica perfeita desta vida, sem sua gama de imperfeições e sofrimentos, tal qual o vislumbrou Swendenborg. Equivocam-se os que pressentem o tédio da eternidade. A cidade é absolutamente aprazível e multiforme, cada sítio nos aguarda com surpresas agradáveis. Libertos da lei da gravidade, seremos plenamente leves. Flutuaremos e veremos nossos lugares antigos transformados em jardins vistosos. As estações do ano serão as quatro conhecidas, mas não precisaremos de agasalhos e aquecedores no inverno, aparelhos de climatização no verão, não teremos as costumeiras febrezinhas do outono e as primaveras serão ricas de exibições.


Cada momento será um instante de surpresa. Apreciaremos guloseimas, expostas em confeitarias opulentas como as francesas, sem engordar sequer um quilo; não necessitaremos de alimentos, mas sentiremos o refino prazeroso do paladar. Mas, principalmente, frequentaremos assiduamente as ruas, conversaremos sobre temas cósmicos que nesta fase nossos cérebros não conseguem formular. Não recordaremos este mundo, mas nele viveremos num novo plano dimensional. Viajaremos por seu todo, desde o sul da América, passando pelo norte do continente, África, Europa e o extremo Oriente. Não ouviremos um som de armas e não leremos notícias de guerras, porquanto nenhuma e nem outra estarão presentes no novo mundo.


Não precisaremos de aviões, médicos e advogados. Voaremos sobre todos eles e seus problemas.


Nossos esportes permanecerão, porque agradam às almas, mas não sobre as formas físicas que conhecemos. Não haverá ambições, angústias e dinheiro, por isso não haverá sofrimentos e montões de ouro. Ninguém terá consciência da importância de metais hoje preciosos.


Haverá o amor, mas as forças físicas não precisarão ser agitadas para realizá-lo. Somente as mãos dadas e voos para, a cada dia, pousar suavemente sobre espaços que reteremos em nossas memórias, dada a passagem por este mundo. Nenhuma apreensão e tampouco preocupação, somente a contemplação extática da beleza de rios que em nossos tempos são córregos inimigos, cercados de verdes, vermelhos, azuis e de outras energias de cores que não nos abandonarão.


Haverá casas, nas quais nos abrigaremos - desnecessariamente, mas por força do hábito - de chuvas amenas de uma ou duas horas, apenas para deixar o frescor que nos anima a passear depois de suas passagens. As surpresas serão infinitas, tais como nossa Cidade e nossos elétrons, que sobreviveram a nossos corpos. Por tudo isso, não temamos a eternidade.


Temos de voltar ao gênio de Swendenborg. Nem todos os viventes de hoje estarão nessa dimensão de prazer e luz. Haverá outras, que receberão aqueles que não amaram esta terra e os outros homens. Para nossa felicidade, não teremos pálidas ideia de suas circunstâncias cósmicas. Nossa tarefa neste mundo é abrir as portas coloridas da imensidão do belo infinito.

                                                                                              
Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.


Esse texto está livre para publicação.

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