O rapper Oruam, nome artístico de Mauro Davi Nepomuceno, voltou a chamar atenção nas redes sociais após postar vídeos desafiando diretamente a Polícia Civil durante uma operação em frente à sua casa, no bairro do Joá, Zona Oeste do Rio. Em meio a frases de revolta, ele fez questão de reafirmar sua identidade: “Sou filho do Marcinho, seus filhos da put*”. A menção a Marcinho VP, apontado como uma das lideranças do Comando Vermelho, não parece ter sido um desvio emocional, mas sim uma escolha consciente, quase como uma chancela.
Para o neurocientista e especialista em genômica comportamental Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, esse tipo de conduta vai muito além da polêmica: “Quando alguém se apresenta como filho de um criminoso notório e, ao mesmo tempo, diz que tudo o que tem veio da música, ele está entregando dois sinais contraditórios ao cérebro de quem o escuta. Isso desorganiza o julgamento ético e afeta o senso de coerência da própria sociedade.”
A confusão entre a imagem do artista e a do rebelde inconsequente não é nova, mas ganha novas proporções em um tempo em que vídeos são mais consumidos que livros e a estética da provocação viraliza com facilidade. Oruam grita por liberdade artística, mas a forma como ocupa esse espaço compromete o entendimento do que, de fato, é ser artista.
“Crianças e adolescentes formam suas referências a partir de modelos que recebem repetição e carga emocional intensa. Quando um artista se projeta como alguém acima das regras, isso não apenas normaliza a infração como constrói uma espécie de glamour em torno dela. A consequência é um reforço sináptico de comportamentos disfuncionais, especialmente em cérebros ainda em amadurecimento”, explica o Dr. Fabiano.
Oruam não é só mais um jovem em conflito com a autoridade. Ele é filho de um dos nomes mais temidos da história recente do crime organizado no Rio de Janeiro. Ao evocar esse vínculo no meio de um confronto público, ele transforma o peso de sua herança em marca pessoal. E ao fazer isso sob a justificativa de ser “um artista”, arrasta consigo a imagem de uma categoria inteira.
“Culturalmente, o artista sempre teve uma função de desafiar padrões, mas isso exige reflexão, construção simbólica, responsabilidade. Quando o desafio vira apenas provocação sem conteúdo, ele perde valor cultural e passa a ser apenas ruído. No caso de Oruam, esse ruído tem consequência direta: prejudica a credibilidade de quem usa a arte para transformar, não para fugir de responsabilidades”, diz o neurocientista.
Nas redes, a postura de Oruam encontra seguidores, muitos dos quais vêm de realidades parecidas com a que ele projeta. Mas o efeito desse tipo de comunicação é regressivo. Ao invés de promover empoderamento, reafirma estigmas. Ao invés de inspirar superação, naturaliza a transgressão como herança.
“Ele se declara perseguido, mas exibe a condição que teoricamente o compromete. Ao fazer isso em tom de desafio, ele se torna um arquétipo da inversão de valores. E o mais grave é que a generalização cerebral tende a expandir esse modelo para outras figuras do meio artístico”, conclui o Dr. Fabiano.
A arte continua sendo um espaço legítimo de voz e liberdade. Mas quando usada como escudo, sem filtro ético ou consciência social, ela corre o risco de ser confundida com ruído. E ruído, por definição, confunde, desinforma e afasta. Oruam pode até ser artista. Mas o que ele está construindo é uma representação que ameaça o próprio conceito de arte como linguagem civilizatória.
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