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Juristas concordam que, apesar da discussão sobre as leis em
torno do tema, um impeachment depende muito mais de uma vontade política do que
de um embasamento jurídico
BBC Brasil
Desde que assumiu o segundo mandato, no último mês de janeiro, a
presidente Dilma Rousseff tem sofrido pressão de grupos que pedem o impeachment
dela do cargo. Ainda no ano passado, após a reeleição da petista, houve
manifestações convocadas pedindo sua saída – alguns protestos chegaram até a
pedir a volta da ditadura militar.
Com a crise econômica, o dólar em alta e a inflação batendo recordes, a pressão
popular sobre Dilma tem se intensificado. No último domingo (8), durante o
primeiro pronunciamento da presidente em rede nacional neste ano, um "panelaço"
foi registrado em várias capitais, com moradores saindo em suas janelas para
gritar palavras de ordem contra a petista. Além disso, há um grande protesto
convocado nacionalmente para o próximo domingo (15) que deve pedir a saída da
presidente do cargo.
Mas existe base para sustentar um pedido de impeachment?
A BBC Brasil conversou sobre o assunto com alguns dos mais renomados juristas
do país, que fazem análises distintas sobre a possibilidade de um eventual
afastamento da presidente do cargo. Confira:
Existe base jurídica para um pedido de impeachment de Dilma?
No início de
fevereiro, o jurista e professor emérito do Mackenzie Ives Gandra Martins
divulgou no jornal "Folha de S. Paulo" um trecho do parecer jurídico que
escreveu a respeito de um possível impeachment de Dilma Rousseff. Nele, Martins
conclui que há fundamentação jurídica para um processo como esse, baseando-se na
hipótese de culpa da presidente diante dos escândalos que têm sido revelados
envolvendo desvios de dinheiro público na Petrobras.
"O que é culpa? Imperícia, negligência, imprudência ou omissão. Dilma foi
presidente do Conselho Administrativo da Petrobras e não diagnosticou os erros
no contrato (da refinaria) de Pasadena. Ela manteve a direção da empresa, sendo
que a empresa foi saqueada durante oito anos, e ela permitiu isso primeiro como
presidente do Conselho, depois como ministra das Minas e Energia, por último
como presidente", disse o jurista. "É um caso de culpa, que pode ser considerado
no crime de improbidade administrativa e, portanto, tem base jurídica."
Para o jurista e professor de Direito Administrativo da PUC-SP Celso Antônio
Bandeira de Mello, porém, não há nada que evidencie a relação de Dilma com os
escândalos da Petrobras. "Precisaria ser algo muito mais forte, que vinculasse
muito diretamente a presidente à prática criminosa. Neste caso, não há fatos",
afirmou. "Não tem nenhum sentido falar nisso. Se for assim, todos os presidentes
do mundo podem sofrer impeachment, nenhum iria escapar. Isso não passa de
esperneio político, eles querem ganhar a eleição no tapetão."
Para Ives Gandra, Dilma tem "culpa" por ter mantido a diretoria da
Petrobras em meio aos escândalos recentes. Gandra Martins rebate: "Se eu sou
diretor de uma empresa, essa empresa é saqueada por oito anos, em bilhões de
reais, será que ninguém percebeu? Então ela deixou que a empresa fosse
saqueada."
Mas na visão Bandeira de Mello, a articulação pelo impeachment é uma tentativa de "golpe" contra o resultado da eleição. "Isso não tem sentido. A direita ficou irritada por ter perdido a eleição e acha que pode criar essa 'onda'. Eles estão junto com a imprensa em uma campanha forte pra desestabilizar o governo da Dilma. Existe um costume no Brasil de chamar de opinião pública o que é opinião publicada", opinou.
O impeachment é uma decisão jurídica ou política?
Os dois juristas entendem que, apesar da discussão sobre as leis em torno do tema, um impeachment depende muito mais de uma vontade política do que de um embasamento jurídico. "É uma decisão muito mais política do que jurídica. Até deveria ser mais jurídica do que política, mas não é. É o Legislativo que decide e seria preciso que o Legislativo estivesse muito fanatizado para isso acontecer. Não e fácil contrariar a vontade do povo nas ruas", disse Bandeira de Mello.
Ele explica que, para que um presidente seja afastado de suas funções, o processo de impeachment precisa ser aprovado primeiro na Câmara por dois terços dos deputados e depois no Senado, pela mesma proporção. Por conta disso, Ives Gandra Martins também concorda que a discussão é muito mais política do que jurídica. "O argumento jurídico é para dar base à discussão. Pode-se discutir juridicamente, mas se a Câmara afastar o presidente, dificilmente o STF (Supremo Tribunal Federal) iria contestar uma decisão da Câmara."
Após reeleição, Dilma passou a sofrer maior pressão de alguns grupos por sua saída
O especialista em Direito Constitucional Pedro Serrano afirma, porém, que, apesar de o Legislativo ter o poder de 'julgar' um processo de impeachment, esse julgamento não é puramente político, porque precisa ser feito sob critérios legais. "O Congresso não pode inventar um processo de impeachment, isso seria uma forma de golpe. Ele só pode julgar um processo desses nas hipóteses previstas na lei. A pessoa que decide é o Congresso, mas ele decide a partir de um processo legítimo", explicou.
"Se ela fosse cassada por esses motivos (mencionados por Gandra), ela (Dilma) poderia recorrer ao Judiciário alegando que argumentos não são fundamentáveis juridicamente. E aí ela pode conseguir uma liminar que suspende a decisão do Congresso, porque a decisão em última instância é sempre do STF. O Congresso julga de acordo com as leis e não de acordo com a vontade dele."
No atual cenário, qual é a probabilidade de existir um impeachment?
Apesar de ter escrito um parecer jurídico que dá base a um eventual impeachment da presidente Dilma, o jurista Ives Gandra Martins entende que essa é uma hipótese que dificilmente se concretizará no atual cenário. "Eu tenho a impressão que, juridicamente tem base, mas dificilmente um presidente não tem um terço do Congresso do seu lado", explica. "Acho que a única probabilidade de isso acontecer é a manifestação do dia 15 ser de tal ordem que faça com que os deputados percebam que é ruim para eles ficar do lado dela, porque 'pega mal' ficar do lado de uma pessoa que é tão criticada. Mas politicamente é improvável."
Lembrando a única situação de impeachment vivida no país - quando Fernando Collor de Melo foi afastado do cargo por denúncias de corrupção, em 1992 -, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello reitera que seria muito difícil a situação se repetir agora. "O impeachment só acontece nos casos que são chamados 'crimes de responsabilidade'. Isso é uma coisa rara e difícil de acontecer, tanto que na história do Brasil, só houve o caso do Collor - mas ele também passou dos limites", afirmou.
Segundo Bandeira de Mello, o 'clamor' pelo impeachment será uma onda passageira que não deve durar muito. Mas Ives Gandra alerta que há um risco de a crise política do país ficar 'insustentável', caso as medidas de austeridade propostas pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não sejam aprovadas em breve. "O problema é que na medida em que Dilma continua no poder, ninguém mais acredita na sua capacidade de solucionar o problema da economia. Se o Joaquim Levy não tiver confiança das pessoas, o Brasil se torna ingovernável. A solução dela seria a aprovação das medidas dele."
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