Deu na revista Exame
A região de Serra Azul, formada por uma extensa reserva estimada em mais de 3 bilhões de toneladas de minério de ferro, que corta os municípios de Brumadinho, Igarapé, Itatiaiuçu, Itaúna, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas, está cravada no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, maior área produtora de minério de ferro no país.
Em 2008, a Usiminas anunciou que pagaria quase 2 bilhões de dólares pela mina de José Mendes Nogueira, conhecido na região como “seu Zé Nogueira”. Seis meses depois, a maior siderúrgica do mundo, a inglesa ArcelorMittal, adquiriu por 810 milhões de dólares a mina de ferro da britânica London Mining, que no ano anterior havia comprado a empresa Minas Itatiaiuçu, da família Tavares, por 130 milhões de dólares. De repente, todo mundo achou que seu negócio valia bilhões. Hoje luta-se para pagar as contas.
Acontece que, com o minério cotado a 69 dólares, boa parte das minas de Serra Azul é inviável. Além de extrair minério sem equipamentos de ponta, os empresários sofrem com a logística da região. Para transportar pela malha ferroviária até o porto, há duas alternativas: usar os trens da Vale ou os da MRS, controlada por Vale, Usiminas, MBR, Gerdau e CSN.
SEM LOGÍSTICA
No porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, também só há duas opções: os terminais privados da Vale e da CSN. Tudo isso encarece o custo, que hoje fica próximo de 73 dólares por tonelada — acima, portanto, do preço final. Na média, a Vale gasta 46 dólares por tonelada.
“O preço do minério de ferro caiu mais rápido do que as pessoas esperavam. Nos preocupa saber onde isso vai parar”, diz Wilfred Bruijn, presidente da Mineração Usiminas. A geração de caixa da empresa caiu 94% no último trimestre.
O maior símbolo da ascensão e queda de Serra Azul é a mineradora MMX, fundada em 2005 pelo empresário Eike Batista. A companhia comprou por cerca de 350 milhões de dólares a AVG Mineração, da família Valadares Gontijo, e a Minerminas, do empresário mineiro Cândido Moreira Jardim, entre o fim de 2007 e o início de 2008.
Três anos depois, adquiriu o direito de explorar por 30 anos a mina Pau de Vinho, da Usiminas. Batizadas de Unidade de Serra Azul, essas operações produziam 5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Eike queria alcançar 29 milhões de toneladas por ano e anunciou investimentos de 4,8 bilhões de reais.
Mas a queda do preço do minério, a crise de confiança no grupo X e a dívida de 440 milhões de reais levaram a MMX a pedir recuperação judicial em outubro. Foram demitidos cerca de 300 dos 420 operários da companhia.
SONHO E PESADELO
“Era o sonho de muita gente enriquecer com o Eike, mas virou pesadelo”, diz David Carvalho da Silva, de 25 anos, que era operário da MMX. Seu pai, José Laurindo da Silva, de 54 anos, ainda é um dos poucos empregados da empresa, mas sabe que por pouco tempo. “Disseram que é culpa da crise do minério”, diz.
A derrocada da MMX e o péssimo momento das mineradoras trouxeram o caos à economia da região. Os efeitos estão por todos os lados nos seis municípios visitados por Exame.
No município de Igarapé, a arrecadação de impostos caiu 30% neste ano. Em Brumadinho, a receita de royalties caiu 25 milhões de reais de 2013 a 2014. Na entrada da mina da ArcelorMittal, caminhoneiros esperam o dia todo para encher a carga — a empresa decidiu produzir menos, esperando que os preços voltem a subir. Moradores, empresários e prefeitos já têm um novo apelido para a região: “Serra Vermelha”.
Como em toda história de sucesso e derrocada, empresários e moradores de Serra Azul têm na ponta da língua os “culpados” por seu infortúnio. Os chineses e Eike Batista são alvos óbvios. Mas a outra vilã é a maior produtora de minério de ferro do mundo, a Vale.
VALE É MENOS ATINGIDA
Como gasta apenas 46 dólares para extrair e exportar seu minério, a companhia sente menos os efeitos da queda na cotação. E está aproveitando o momento para ganhar ainda mais terreno. No terceiro trimestre, a Vale produziu um volume recorde de 85,7 milhões de toneladas de minério de ferro.
A mesma estratégia está sendo adotada por suas concorrentes anglo-australianas Rio Tinto e BHP Billiton. A Rio Tinto gasta 35 dólares por tonelada de minério. A BHP Billiton, 43 dólares. “A Vale está perdendo dinheiro dos acionistas, o país está entregando seus recursos naturais, há dezenas de municípios desesperados. É uma irracionalidade total”, diz José Francisco Viveiros, ex-presidente da ArcelorMittal Serra Azul e atual presidente da Bahia Mineração.
Em entrevista a Exame, Murilo Ferreira, presidente da Vale, diz que a estratégia de aumentar a produção foi definida há muitos anos e que o setor está passando por um rearranjo natural. “As mineradoras menos eficientes estão sob forte ameaça de desaparecer”, diz.
E O PREÇO NÃO SOBE…
Em 2015, o jogo deverá ficar ainda mais difícil para as mineradoras em Serra Azul. Segundo a projeção de analistas dos bancos Citi, Bank of America e Merrill Lynch, o preço do minério de ferro deverá ficar abaixo de 60 dólares. “Somente a Vale e a CSN vão conseguir operar no azul”, diz o analista de mineração Ivano Westin, do banco Credit Suisse.
Um pequeno alívio pode vir com o Porto Sudeste, idealizado por Eike Batista e controlado pela holandesa Trafigura e pelo fundo soberano de Abu Dhabi, Mubadala. A conclusão estava prevista para o primeiro semestre de 2013, mas atrasou. A nova previsão é 2015. Com ele, a expectativa é economizar de 5 a 10 dólares por tonelada. Para quem contava bilhões, agora qualquer centavo faz diferença.
Exame
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