Com uma pesquisa extensa na área, a especialista coloca a herança patrimonialista e a intensa burocracia como motivadores da corrupção no país. Por sua vez, ela observa avanços na fiscalização por parte da sociedade.
No último ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional, de 2015, o Brasil estava na 76ª posição. Existe alguma perspectiva de melhora para este ano?
Esse ranking leva em consideração mudanças legislativas, punições realizadas e o senso comum da sociedade. À medida que as punições vão se mostrando, existe uma perspectiva de redução. Ao mesmo tempo, os escândalos também vão acontecendo e sendo mais rotineiros nos noticiários. Então, o que a gente ganha em termos de percepção de combate à corrupção com a punição, a gente perde com o incremento dos escândalos. Não acredito que haverá uma melhoria no ranking.
O que pode ser feito para melhorar essa percepção?
Acho que é importante mostrar que o combate à corrupção não é traduzido apenas pela Lava Jato, que a operação não é isolada dentro do movimento de combate à corrupção. E há também o incremento da transparência. Quanto mais obscuro for o ambiente, mais possibilidades de corrupção haverá. Já quanto mais iluminado e oxigenado for, menos possibilidades de corrupção.
E como tornar esses ambientes mais transparentes?
Já evoluímos muito no Brasil. Hoje, há uma percepção de boa parte da sociedade civil de que os agentes públicos têm de prestar contas daquilo que fazem. Temos uma melhora das informações que são prestadas ativamente pelos órgãos públicos, como sites com dados. A gente ainda precisa incrementar, porque os dados não são de fácil percepção. O cidadão comum não consegue acompanhar informações orçamentárias porque são expressões técnicas e áridas.
Há outros aspectos que motivam a corrupção no país?
Acho que há duas coisas muito importantes. Primeiramente, uma burocracia muito intensa. Uma ordem jurídica que é extremamente complexa e que passa a exigir das empresas o cumprimento de uma série de obrigações. E aí, obviamente, quanto mais você dificulta, mais você torna importante uma decisão do agente público. Outro aspecto é nossa herança patrimonialista, uma ideia de que o sujeito que ocupa um cargo público é o dono daquilo. Uma confusão entre a pessoa dele e a pessoa do Estado.
E como mudar essa cultura?
É um problema que, aos poucos, vamos vencendo. Lembre-se que, quando começou o movimento de criação das estatais, não se fazia concurso público. Isso, hoje, é algo impensável. Já vivemos também uma época em que era tolerável que o sujeito viesse a ocupar o cargo e toda sua família viesse atrás. Isso já foi aceito no Brasil. É um rompimento paulatino com esse ambiente. Outra coisa é que vamos ficando cada vez mais críticos com o que é corrupção. Costumamos achar que corrupção é só pagamento de propina, mas é muito mais que isso. Ela existe quando eu utilizo indevidamente as prerrogativas públicas que me são dadas. Se a gente pouco a pouco vai sendo intolerante, e isso deixa de ser uma coisa engraçada, a gente para de ver isso como uma esperteza e vê como algo incorreto, também aumenta o controle sobre isso.
A senhora tem uma pesquisa ampla sobre licitações públicas. Quais são os problemas que esse tipo de procedimento pode apresentar?
Os maiores riscos não estão no momento da disputa em si, mas, sim, antes de ela começar e depois dela. Antes, é o momento de definir quais são as exigências para participação na licitação. Dependendo de como é definido, você elimina outros participantes, porque eles não conseguem fazer exatamente o que foi exigido. Essa fase é sensível porque é possível indicar, nela, indiretamente, quem ganha e quem perde.
Mas como fiscalizar esse processo inicial dos editais?
Não tem uma fórmula mágica, mas uma das coisas que resolveriam a corrupção nesse momento é um controle dessas razões que são expostas para o administrador público para ter colocado no edital, por exemplo, uma certa exigência. E os tribunais de contas, que são os órgãos responsáveis por isso, têm de ser fortalecidos.
E depois das licitações?
Nesse momento, voltamos a um ambiente de maior opacidade, porque, quando há a licitação, se não há conluio entre as empresas, uma é contra a outra, o que ajuda na fiscalização. Depois que acabou, voltamos a um ambiente de intimidade da administração pública com um em particular. Quantos são os escândalos que envolvem o seguinte: combinamos que você faria um serviço, você faz um serviço de menor qualidade, mas eu te pago como se você tivesse feito aquilo que foi previsto? Além disso, também há a cronologia de pagamento, a ordem para a administração publicar pagar os fornecedores. Esse momento também é muito sugestivo à corrupção, porque, por exemplo, eu posso falar: “só vou te pagar se você se comprometer a pagar um tanto”. Afinal, é o administrador público quem tem a chave do cofre. Tem de haver um maior controle, e minha impressão é de que os órgãos de controle não se dedicam a fiscalizar isso.
Qual o papel do Legislativo no combate à corrupção, a partir da criação de leis?
Nosso problema não é falta de lei, é a execução dela. Nisso, o Legislativo não tem culpa. Temos um bom arcabouço jurídico. Acho que o mais importante é acabar com ideia de que o sujeito que está num cargo público é intocável e com o discurso vitimista, de “fiz porque não tinha outra opção”. Isso não pode ser justificativa.
Esse ranking leva em consideração mudanças legislativas, punições realizadas e o senso comum da sociedade. À medida que as punições vão se mostrando, existe uma perspectiva de redução. Ao mesmo tempo, os escândalos também vão acontecendo e sendo mais rotineiros nos noticiários. Então, o que a gente ganha em termos de percepção de combate à corrupção com a punição, a gente perde com o incremento dos escândalos. Não acredito que haverá uma melhoria no ranking.
O que pode ser feito para melhorar essa percepção?
Acho que é importante mostrar que o combate à corrupção não é traduzido apenas pela Lava Jato, que a operação não é isolada dentro do movimento de combate à corrupção. E há também o incremento da transparência. Quanto mais obscuro for o ambiente, mais possibilidades de corrupção haverá. Já quanto mais iluminado e oxigenado for, menos possibilidades de corrupção.
E como tornar esses ambientes mais transparentes?
Já evoluímos muito no Brasil. Hoje, há uma percepção de boa parte da sociedade civil de que os agentes públicos têm de prestar contas daquilo que fazem. Temos uma melhora das informações que são prestadas ativamente pelos órgãos públicos, como sites com dados. A gente ainda precisa incrementar, porque os dados não são de fácil percepção. O cidadão comum não consegue acompanhar informações orçamentárias porque são expressões técnicas e áridas.
Há outros aspectos que motivam a corrupção no país?
Acho que há duas coisas muito importantes. Primeiramente, uma burocracia muito intensa. Uma ordem jurídica que é extremamente complexa e que passa a exigir das empresas o cumprimento de uma série de obrigações. E aí, obviamente, quanto mais você dificulta, mais você torna importante uma decisão do agente público. Outro aspecto é nossa herança patrimonialista, uma ideia de que o sujeito que ocupa um cargo público é o dono daquilo. Uma confusão entre a pessoa dele e a pessoa do Estado.
E como mudar essa cultura?
É um problema que, aos poucos, vamos vencendo. Lembre-se que, quando começou o movimento de criação das estatais, não se fazia concurso público. Isso, hoje, é algo impensável. Já vivemos também uma época em que era tolerável que o sujeito viesse a ocupar o cargo e toda sua família viesse atrás. Isso já foi aceito no Brasil. É um rompimento paulatino com esse ambiente. Outra coisa é que vamos ficando cada vez mais críticos com o que é corrupção. Costumamos achar que corrupção é só pagamento de propina, mas é muito mais que isso. Ela existe quando eu utilizo indevidamente as prerrogativas públicas que me são dadas. Se a gente pouco a pouco vai sendo intolerante, e isso deixa de ser uma coisa engraçada, a gente para de ver isso como uma esperteza e vê como algo incorreto, também aumenta o controle sobre isso.
A senhora tem uma pesquisa ampla sobre licitações públicas. Quais são os problemas que esse tipo de procedimento pode apresentar?
Os maiores riscos não estão no momento da disputa em si, mas, sim, antes de ela começar e depois dela. Antes, é o momento de definir quais são as exigências para participação na licitação. Dependendo de como é definido, você elimina outros participantes, porque eles não conseguem fazer exatamente o que foi exigido. Essa fase é sensível porque é possível indicar, nela, indiretamente, quem ganha e quem perde.
Mas como fiscalizar esse processo inicial dos editais?
Não tem uma fórmula mágica, mas uma das coisas que resolveriam a corrupção nesse momento é um controle dessas razões que são expostas para o administrador público para ter colocado no edital, por exemplo, uma certa exigência. E os tribunais de contas, que são os órgãos responsáveis por isso, têm de ser fortalecidos.
E depois das licitações?
Nesse momento, voltamos a um ambiente de maior opacidade, porque, quando há a licitação, se não há conluio entre as empresas, uma é contra a outra, o que ajuda na fiscalização. Depois que acabou, voltamos a um ambiente de intimidade da administração pública com um em particular. Quantos são os escândalos que envolvem o seguinte: combinamos que você faria um serviço, você faz um serviço de menor qualidade, mas eu te pago como se você tivesse feito aquilo que foi previsto? Além disso, também há a cronologia de pagamento, a ordem para a administração publicar pagar os fornecedores. Esse momento também é muito sugestivo à corrupção, porque, por exemplo, eu posso falar: “só vou te pagar se você se comprometer a pagar um tanto”. Afinal, é o administrador público quem tem a chave do cofre. Tem de haver um maior controle, e minha impressão é de que os órgãos de controle não se dedicam a fiscalizar isso.
Qual o papel do Legislativo no combate à corrupção, a partir da criação de leis?
Nosso problema não é falta de lei, é a execução dela. Nisso, o Legislativo não tem culpa. Temos um bom arcabouço jurídico. Acho que o mais importante é acabar com ideia de que o sujeito que está num cargo público é intocável e com o discurso vitimista, de “fiz porque não tinha outra opção”. Isso não pode ser justificativa.
O Tempo
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