Nenhuma outra arte, técnica ou ciência atrai tanto a atenção leiga como o direito. É comum a pergunta cândida: como um advogado pode defender um culpado? Faltaria ética a essa opção profissional.
Tentemos esclarecer dois aspectos fundamentais do direito, neste momento em que ele ocupa o centro das atenções gerais.
Direito é fato e norma. Um acidente de trânsito é um fato. Ao responsabilizar um dos envolvidos, o Estado (a quem cabe dizer o direito) aplica uma norma. Assim, podemos dizer que o fato está no mundo empírico e a norma no mundo teórico.
Ante um fato amplamente noticiado, o povo, não raro estimulado pela imprensa, logo se põe a julgá-lo. Já os operadores do direito, advogados, promotores e juízes, devem recorrer ao que suas inteligências captaram nos cursos jurídicos para aplicar (como podem) a técnica, a ciência e a arte do direito. Nossa opção pessoal é pela esquissa científica, enquanto busca vertical da verdade, para dizer que norma deve reger aquele fato exemplificado (acidente).
Nosso povo, em primeiro lugar, não consegue compreender o "prende e solta", como no último caso do ex-presidente Michel Temer. É insegurança, despreparo, leviandade? Não, muito pelo contrário. A ciência busca suas descobertas e, ainda assim, submete-as, por exemplo, a testes laboratoriais, antes de divulgar seu achado. Trata-se de responsabilidade.
O Estado pratica o direito de acordo com cada país. No Brasil, em termos principais, temos, antes de tudo, o juiz de primeira instância. É aquele de nosso bairro ao qual procuramos, expondo nosso direito violado e pedindo a aplicação da norma pelo Estado. Depois, os Tribunais Regionais. Por fim, os Tribunais Superiores. Cada juiz é independente ao expor as ideias que o levam a julgar de determinada maneira. Não há hierarquia, tampouco unidade de pensamento imposta. Por isso, diante de um fato, podem ser convocadas diversas formas de interpretação e de aplicação das normas. É onde, em geral, ocorrem as divergências. Os Tribunais Superiores se encarregam de uniformizar os entendimentos. Mas só recentemente essa uniformização, em certos casos, se tornou vinculante do pensamento dos juízes em nosso País.
Alguns erros judiciários, no mundo, tornaram-se emblemáticos e foram móveis de obras literárias e chegaram ponto de mudar certos rumos históricos. O famoso caso Dreifus ( Zola), o caso Maurizius (Wassermann), Jean Valjam (Hugo) e, em nossas Minas Gerais , o famoso caso dos irmãos Naves, entre tantos outros, até diários. Há um Ministro do STF que diz preferir ver um criminoso solto a um inocente atrás das grades. A pensar. Mas, em geral, são erros quanto aos fatos, muitas vezes sua prova depende só de testemunhos e da inclinação imagística do homem a só dizer a verdade (!).
No caso da ciência das normas, o conhecimento, sempre desejável em grau máximo, é o que faz brotar de nossos cérebros as mais sérias dúvidas, nas Academias e nos Tribunais. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, unanimemente, por 4 votos, deu-nos verdadeira aula de direito, ao determinar a soltura de Michel Temer. Prisão preventiva é prisão processual, destinada a garantir o processo correto e a ordem pública. Excepcional. Não é a pena, depois de percorrido o devido processo legal e garantida a ampla defesa de qualquer acusado. Por mais graves que sejam as acusações contra o réu, tal não justifica uma prisão preventiva.
Uma digressão etimológica sobre "réu". Originário do latim, primeiro era substantivo (o oposto de autor da ação), depois corrompeu-se para adjetivo (culpado). Portugal já evoluiu: não se fala réu em processo penal, mas "arguido".
Claro que os juízes das instâncias inferiores deveriam ter mais parcimônia em decretar prisões preventivas, sem temor do clamor popular. A função de juiz não é compatível com a pusilanimidade ante as massas. Mas sua independência não pode ser violada. Logo, é melhor acalmarmos nossas opiniões antes de enveredar por questões jurídicas em conversas exacerbadas.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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