A Justiça do Trabalho mineira afastou o vínculo de emprego pretendido por um motorista com o aplicativo “99 Tecnologia Ltda.”, mais conhecido como simplesmente “99”. Para a juíza Andressa Batista de Oliveira, que examinou a ação do motorista na 22ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a prova testemunhal, incluindo o depoimento pessoal do autor, revelou que ele atuava com autonomia, sem o requisito da subordinação jurídica, traço distintivo essencial entre o trabalho autônomo e aquele desenvolvido com vínculo de emprego.
O motorista prestou serviços para a plataforma por cerca de dois anos. Disse que recebia em torno de R$ 400,00 mensais e que foi dispensado sem justa causa. Pretendia o reconhecimento do vínculo, com o pagamento das parcelas trabalhistas, inclusive FGTS e anotação da CTPS. Afirmou que a ré controlava a execução do serviço, estabelecendo o preço da tarifa e, ainda, podendo rejeitar o motorista que não atingisse determinados critérios. Mas a tese do autor não foi acolhida na sentença.
As partes convencionaram utilizar prova testemunhal emprestada (depoimentos colhidos em outros processos de outros motoristas também cadastrados na plataforma). E, pela análise conjunta dos depoimentos, incluindo o do próprio autor, a juíza concluiu que a “99” teve sucesso em demonstrar que o autor desenvolvia sua atividade profissional sem a presença dos requisitos do vínculo de emprego (prestação de serviços com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação).
Conforme pontuado na decisão, embora as testemunhas tenham confirmado a existência de trabalho de forma pessoal e onerosa (mediante um pagamento pela ré), os relatos, por outro lado, revelaram que o motorista exercia suas atividades com autonomia, ou seja, sem subordinação jurídica, elemento essencial para a caracterização do vínculo de emprego.
As testemunhas declararam não haver exigência quanto ao número de viagens e de carga horária mínima diária/semanal/mensal e que era o próprio motorista quem definia o horário de ligar ou desligar o aplicativo. Em depoimento, o próprio autor confessou que poderia escolher os dias e horário de trabalho, além de ter admitido que era cadastrado em outros aplicativos e que podia escolher aquele que melhor lhe atendesse. Na análise da magistrada, os depoimentos deixaram evidente a autonomia na prestação dos serviços do autor. “Em verdade, o autor laborava nos dias e horários que lhe convinham, prestando seus serviços, inclusive para aplicativos diversos, com finalidade idêntica, com ampla liberdade”, frisou a juíza.
A julgadora destacou que as circunstâncias apuradas revelaram que o autor não estava subordinado à ré, o que se tornou ainda mais claro quando ele próprio declarou que poderia escolher a oportunidade de trabalho, podendo avaliar se aceitaria ou não o pedido, baseado em sua análise subjetiva. “Isso além de poder escolher o próprio horário de trabalho, do que se depreende também a escolha do dia de labor e tempo de inércia”, ponderou a julgadora. Na visão da juíza, além da inexistência de subordinação, no caso, não houve demonstração de que a prestação de serviços do motorista à ré se dava de forma não eventual.
A ausência de ingerência da empresa na prestação de serviços também contribuiu para o afastamento do vínculo de emprego. Uma das testemunhas declarou que “quem arca com as despesas do veículo é o próprio motorista" e que "quem define o trajeto a ser percorrido é o passageiro". Além disso, não houve prova de que havia qualquer ingerência da ré nas avaliações feitas pelos clientes em relação ao motorista. ”Ao contrário do que pretende o autor, as referidas avaliações, considerada a modalidade da prestação do serviço, não implicam subordinação jurídica, tendo, a meu ver, o intuito de trazer aos usuários maior segurança”, enfatizou a juíza.
O fato de a “99” estabelecer regras para a concretização da prestação do serviço por parte dos motoristas não afasta, segundo a juíza, a ampla autonomia no desempenho da atividade do autor, revelada no depoimento dele e também das testemunhas, não havendo como, nas palavras da julgadora, “interpretá-las, portanto, como atos de subordinação”. Diante do não reconhecimento do vínculo de emprego pretendido, todos os pedidos do motorista foram julgados improcedentes.
O autor recorreu da sentença, mas a decisão foi confirmada pelos julgadores da Terceira Turma do TRT-MG.
- PJe: 0010163-66.2020.5.03.0022 — Data de Assinatura: 16/03/2020.
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