quinta-feira, 2 de junho de 2022

Biomarcadores digitais são apostas para diagnosticar e tratar precocemente doenças mentais

Detectando o quanto antes mudanças relacionadas à doença, podemos monitorar a progressão e melhorar as medidas de desfecho nos estudos, tanto para cognição quanto para outros domínios clínicos relevantes.

 

O mundo tem mudado de forma rápida e as tecnologias têm acompanhado essas mudanças. Algo que tem me chamado a atenção nos últimos anos é como capitalizar novos desenvolvimentos em tecnologias digitais, para ajudar a diagnosticar e tratar pacientes com doenças cognitivas.

Essas novas tecnologias trazem com elas oportunidades que podem nos ajudar a identificar precocemente pessoas com risco de demência. Detectando o quanto antes mudanças relacionadas à doença, podemos monitorar a progressão e melhorar as medidas de desfecho nos estudos, tanto para cognição quanto para outros domínios clínicos relevantes.

Existem tecnologias especialmente adequadas, por exemplo, para a triagem, com a capacidade de ir a fundo ao comprometimento cognitivo. Temos diversas plataformas sensores vestíveis, que podem ser incorporadas a roupas, capacetes, relógios e outros acessórios, e a base de tablets e smartphones.

Essas plataformas registram de forma objetiva e qualitativa, elas podem ser aplicadas repetidas ou continuamente ao longo do tempo e coletar grandes quantidades de informações, de forma discreta e passiva, sem causar complicações para o paciente.

Como registram grandes volumes de informações, exigem formas sofisticadas de análise de dados. E essa sofisticação é fornecida pela inteligência artificial, que analisam e extraem elementos relevantes.

Contudo, existem alguns desafios como: aspectos éticos, regulatórios e da propriedade de dados. Esta é uma área comercialmente ativa com vários dispositivos disponíveis, mas a maioria deles não é apoiada por dados robustos, ou seja, confiáveis. Também há problemas quanto à viabilidade e aceitação dos idosos com comprometimento cognitivo entenderem que talvez não consigam usar o dispositivo. Outro desafio é a transferência, armazenamento e análise dos dados. Existem ainda as questões das desigualdades de acesso, dessa forma todos esses elementos precisam ser considerados.

Em um estudo recente sobre testes digitais de cognição, foram detalhadas uma variedade de tecnologias e plataformas à base de tablet, computador e smartphone. Muitos deles com alguma forma de evidência corroborativa. Além disso, eles apresentaram outras maneiras de analisar dados, como rastreamento ocular, análise de fala, realidade virtual e caneta digital, dando oportunidade de avaliar o paciente de forma mais precisa.

Outra pesquisa integrou tecnologias digitais para criar uma clínica de memória quase completamente remota, combinando marcadores digitais com a anamnese padrão e com neuroimagens, obtendo um diagnóstico clínico exato, que é então enviado ao médico. Com o uso de novas tecnologias, acredito que há um grande potencial de melhoramento, que pode ser usado de forma mais significativa na clínica, beneficiando os pacientes e facilitando a vida dos médicos com melhores prognósticos e diagnósticos.

Em um grande estudo multinacional europeu chamado de Radar-AB, foram explorados diversos dispositivos com alguns dados de apoio, como o aplicativo Altoida, um teste de memória visual modificado baseado em tablet. Ele indicou que essas tecnologias digitais possibilitam detectar mudanças que ocorrem antes mesmo que sintomas clínicos sejam percebidos. Assim, esse e outros testes têm o potencial de identificar mudanças muito precocemente no processo de doenças, como o Alzheimer.

Outro teste interessante é a avaliação cognitiva integrada a um teste de rastreio de 5 minutos, baseado na análise visual, separando animais de não animais. É simples e pode ser feito em casa sem supervisão. Dados iniciais mostram que o teste pode distinguir pessoas saudáveis das com comprometimento cognitivo leve.

Na outra ponta do espectro temos formas mais abrangentes e complexas de empregar as tecnologias digitais a domicilio, ou até mesmo nos carros. Basta ligar na tomada e aplicar sensores no corpo do paciente e baixar o aplicativo no celular. Dessa forma é possível monitorar a condução e observar vários desses sensores.

Temos uma ampla lista de testes de triagem curtos, outros mais complexos, domiciliares e avaliações baseadas em sensores. De forma resumida, está cada vez mais claro que a avaliação e o monitoramento de transtornos cognitivos com o uso de marcadores digitais tem grande potencial e está rapidamente virando uma ampla área de pesquisa.

Existem ainda boas evidências de que esses dispositivos podem ajudar na clínica, contudo, há vários desafios e mais evidências e aprovações regulatórias são necessárias, antes que eles possam ser amplamente realizados. Clínicas de memória remotas estão sendo estabelecidas e apresentam um grande potencial, principalmente durante a pandemia.

E finalmente, o trabalho para obter a aprovação regulatória como desfecho de estudo está em andamento e é muito importante, pois pode nos ajudar a realizar estudos clínicos mais sensíveis e econômicos de novos medicamentos para a demência.


Victor Silva e Isabella Dias

Setor de follow up | MF Press Global

 

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