O hábito de economizar faz parte da cultura alemã. A poupança das famílias equivale a 11,3% do PIB, bem acima dos 4,5% do Brasil e da maioria dos países ocidentais. O sociólogo e economista alemão Max Weber, em 1905, associou essa obstinação em trabalhar e acumular, assim como a aversão ao perdularismo, à ética protestante. Mas isso não significa que os bancos e o governo sejam especialmente prudentes. Quatro grandes bancos alemães já precisaram de ajuda governamental para não quebrar na atual crise (alguns deles ainda devem precisar de novo socorro). O governo também andou fora da linha. “Entre 2000 e 2009, só em cinco anos o deficit da Alemanha ficou dentro do limite de até 3% do PIB, estabelecido pela Zona do Euro. A Finlândia e a Suécia trabalham com deficits menores”, diz o economista Hartmut Sangmeister, da Universidade de Heidelberg. Os credores confiam no governo em Berlim não porque ele exiba situação financeira impecável, mas pela resolução e rapidez com que ele age, quando necessário.
O gasto público já vinha sendo restringido e crescia em ritmo inferior ao do conjunto da economia desde 2004. Em 2010, por causa da crise, o governo aumentou o esforço, com aumentos de impostos (a competitividade do país é organizada para resistir a esses impactos) e cortes de gastos (as medidas incluem a demissão de 15 mil funcionários públicos). Graças ao esforço de sobriedade, a dívida pública está em queda mais rápida que a esperada, e o saldo negativo das contas voltou para abaixo dos 3% do PIB.
Depois da reunificação, em 1990, a Alemanha teve de fechar empresas ineficientes da metade comunista. O nível de desemprego aumentou e chegou a picos de 12% da população ativa. Nos últimos anos, porém, o índice passou a cair e, em dezembro, chegou a uma baixa recorde de 6,8%, mesmo durante a crise no continente.
Os economistas Michael Burda, da Universidade Humboldt, de Berlim, e Jennifer Hunt, da Universidade McGill, no Canadá, listaram algumas explicações. Antes da crise, as empresas alemãs já mostravam comedimento – contratavam devagar e davam aumentos que acompanhavam os ganhos de produtividade. Esses dois fatores já inibiriam as demissões. Mas os alemães conseguiram reduzir o desemprego durante a crise – mesmo com cortes de gastos públicos, que normalmente esfriam a economia – também por causa da reforma trabalhista, iniciada em 2003. Os contratos se tornaram mais flexíveis, para contemplar, por exemplo, empregos por tempo determinado. Os “bancos de horas” se tornaram difundidos e são levados muito a sério – horas trabalhadas a mais, até certo limite, podem ser convertidas em horas de folga futuras, o que dá flexibilidade às empresas para produzir menos sem demitir. A poderosa indústria alemã não defendeu sozinha o emprego no país. “A Alemanha criou no setor de serviços muitos empregos flexíveis, com meia jornada”, diz o sociólogo alemão Werner Eichhorst, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho, em Bonn. A mão de obra alemã ainda se beneficia de uma ótima educação, que produz um grande número de trabalhadores altamente produtivos e especializados – valorizados pelas empresas.
3. Como eles resistem à China?
O saldo comercial positivo da Alemanha com o resto do mundo – o que o país recebe pelas exportações, menos o que paga pelas importações – foi de € 154 bilhões em 2010. No mesmo período, o saldo do Brasil foi de um décimo desse total, e os Estados Unidos tiveram saldo negativo equivalente a € 390 bilhões. O resultado impressionante da Alemanha foi obtido no comércio com 234 países e territórios, ou seja, o mundo inteiro. E decorre, principalmente, de dois fatos.
Primeiro, grande parte da indústria da Alemanha ainda consegue evitar a concorrência chinesa, porque exporta bens intermediários – aqueles comprados por empresas, não por indivíduos. Enquanto o resto do mundo tenta, em vão, competir com a China na produção de calçados, roupas, brinquedos, eletroeletrônicos e bugigangas em geral, os alemães correm por fora, abastecendo o planeta com produtos químicos, turbinas, geradores, máquinas pesadas e tudo mais que seja necessário para colocar uma fábrica em funcionamento (itens desse tipo correspondem a quase metade da exportação alemã). Por causa da expansão das empresas em países como China e Brasil, a demanda por esses produtos fora da Zona do Euro cresceu 25% no ano passado, segundo a economista Dorothea Lucke, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica.
A fórmula não é à prova de falhas, já que a China também avança rapidamente para a produção de máquinas industriais. A economia alemã conta, no entanto, com um segundo trunfo: o país reúne muitas empresas pequenas e médias, que empregam muitas pessoas e são ágeis para se adaptar às circunstâncias. “As pequenas e médias empresas na Alemanha são muito fortes, muito competitivas. Elas trabalham sempre de olho no mercado global, para exportar”, afirma Antônio Corrêa de Lacerda, coordenador do Comitê de Economia da Câmara Brasil-Alemanha e economista-chefe da Siemens.
O império alemão criou, a partir de 1883, direitos como seguro-invalidez e aposentadoria por idade. Hoje, o sistema inclui auxílios de custo para moradia, educação e cuidados infantis. Para sustentá-los, a carga tributária da Alemanha supera os 40% do PIB. Manter as contas do país sob controle exigiu que o sistema evoluísse. Ele chegou a consumir 33% do PIB. Hoje está perto de 26% e em avaliação – os programas sociais devem perder mais € 40 bilhões até 2014. A mudança leva em conta o envelhecimento da população. O limite mínimo de idade para aposentadoria começa a aumentar em 2012, um mês por ano, até chegar a 67 anos em 2035. O gasto com serviços de saúde sobe mais lentamente que nos demais países ricos devido a uma reforma aprovada em 2007 – antes da crise global. Para um povo com fama de inflexível, os alemães, quem diria, têm se mostrado mestres do jogo de cintura.
Época
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