Segundo instituto que prepara processo coletivo, perdas de quem tinha saldo em 1999 podem chegar a 100% até agora; para advogado, chance de sucesso é baixa
A Caixa Econômica Federal enfrenta uma onda de ações que pode resultar numa dívida bilionária para banco, e dinheiro extra nas contas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) de milhares de trabalhadores. As correções, segundo os representantes dos cotistas, podem chegar a 100%, mas nunca houve decisão favorável.
Nos últimos meses, o banco foi alvo de cerca de 26 mil processos, dos quais 12 mil tiveram resolução. Em todos, a decisão foi contra o pedido de correção.
"Em decorrência das decisões favoráveis ao FGTS [à Caixa], 627 processos já foram conduzidos à extinção definitiva do caso. Não há nenhum registro de decisão desfavorável ao Fundo de Garantia", informou o banco, em nota.
Perda do poder de compra
A tese que fundamenta as ações é que os trabalhadores têm sido prejudicados desde 1999, quando o FGTS passou a ser corrigido pela Taxa Referencial (TR). Como esse índice é menor que a inflação, o poder de compra dos saldos do FGTS acabam corroídos ao longo do tempo
O objetivo das ações é que as contas passem a ser corrigidas por um indicador inflacionário, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Nas contas do presidente do Instituto FGTS Fácil, Mario Avelino, as perdas de quem tinha saldo em junho de 1999 – aproximadamente 65 milhões de pessoas – chegaram, em janeiro de 2014, a cerca de 100%. O governo, calcula ele, deixou de depositar R$ 201 bilhões no Fundo nesse período.
“Mesmo quem sacou tem direito a reaver [as perdas]”, afirma Avelino.O valor alegadamente devido é superior aos R$ 150 bilhões que, segundo o Banco Central, as instituições financeiras poderão ser obrigadas a desembolsar caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida a favor dos poupadores no caso das perdas da poupança em razão dos planos econômicoCollor 1 e 2, Bresser e Verão.
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Segundo o iG apurou, a Caixa considera que uma eventual derrota teria um impacto muito menor que os R$ 201 bilhões. Um dos motivos é que ,ao longo do tempo, houve saques de recursos. Outro é que, ao longo da década de 1990, a TR superou a inflação. Assim, a troca do índice pode ser positiva para saldos a partir de 1999, mas negativa para anteriores.
O banco também avalia que não seria responsável pela conta, caso haja a mudança. Os recursos para cobrir os créditos a mais nas contas dos cotistas do FGTS teriam de vir de alternativas do próprio fundo.
Em nota, a Caixa lembra que a TR também é usada nos financiamentos habitacionais, e que a substituição da taxa por um indicador inflacionário no caso dos saldos também teria de ser aplicada aos empréstimos e às contribuições patronais ao Fundo.
Os pedidos de correção ganharam mais força depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) vetou o uso da TR para corrigir os precatórios – dívidas judiciais do governo com a população – justamente por ela ser menor que a inflação. A decisão ocorreu em março de 2013.
Presidente das Comissões de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP), Marcelo Lobo lembra que o caso do FGTS é diferente.
"No precatório, o dispositivo legal que rege a atualização não fala em taxa referencial. Já a legislação do fundo diz que a correção será feita pela taxa da poupança [que usa a TR]", afirma o advogado. "Agora, sem dúvida nenhuma a remuneração do FGTS é muito aquém do que os trabalhadores conseguiriam no sistema financeiro, mesmo na poupança.Livre Docente da Universidade de São Paulo e atuante nas áreas de direito tributário, econômico e financeiro, o advogado Fernando Facury Scaff afirma que a tese é antiga e tem pequenas chances de sucesso.
“Acho que esta tese tem pouca força jurídica no Judiciário”, diz.
Incerto e demorado
O número de pessoas representadas nas ações sobre as perdas do FGTS enfrentadas pela Caixa é maior que 26 mil, já que muitas delas são coletivas. Apenas o escritório Meira Morais, em conjunto com a Força Sindical, representa cerca de 200 sindicatos.
"É até um pouco mais [de 200 sindicatos]. São milhares de ações em todo o Brasil", diz Miguel Torres, presidente da Força. A campanha começou em setembro. "Pelos cáculos que nós fizemos junto com os economistas, há uma perda, de 1999 para cá, de mais de 89%"
Uma decisão sobre o caso, entretanto, ainda deve demorar.
“Se perdermos, e acredito que vamos perder, vamos levar para Brasília”, diz Avelino, do FGTS Fácil, que também iniciará uma campanha para reunir interessados em ingressar com uma ação coletiva do instituto. “Há duas ações em segunda instância há mais de dois anos [sem julgamento]”, diz.
Um dos responsáveis pelo processo que derrubou o uso da TR na correção dos precatórios, o advogado Flávio Brando, ex-presidente da comissão, estima que uma decisão sobre a correção do FGTS pode levar entre cinco a dez anos.
Pressão política
Brando, ex-presidente das comissões federal e estadual paulista de precatórios da OAB, concorda com o pedido de correção do FGTS.
“Em tudo o que é favorável à Fazenda Pública, eles usam juros altos. A contrariu senso [quando é em favor do indivíduo], eles usam o fator de correção mais baixo possível”, diz Brando. “Acho que está absolutamente correto [acionar a Justiça]”, diz.
Avelino, do FGTS Fácil, alega que um número alto de ações judiciais pode servir de pressão política para a revogação da lei que prevê o uso da TR como instrumento de correção do FGTS. Um projeto de lei do senador Paulo Paim (PT-RS) tramita desde 2007 no Congresso.
Brando acrescenta que questionamentos da população em casos como esse podem fazer com que, no futuro, o governo seja mais cauteloso em relação às políticas com os devedores. E refuta a ideia de que uma decisão a favor dos cotistas do FGTS seria impagável. Bastaria definir alternativas para uma quitação faseada da dívida.
“Tem que se definir estratégias de curto, médio e longo prazo”, diz o advogado. “Pode-se usar [uma parte dos eventuais créditos] para pagar impostos ou fazer contribuição da previdência”, exemplifica.
Procuradas, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio, a Força Sindical e a Confederação Única dos Trabalhadores (CUT) – todas integrantes do Conselho Curador do FGTS – não se pronunciaram.
iG São Paulo
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