2010
O INVESTVALE, que é o clube de investidores dos empregados e ex-empregados da Vale do Rio Doce, foi criado pouco antes da privatização da empresa, porque previa o edital de privatização a participação dos empregados na desestatização da Vale.
O clube foi criado com o fim de que os empregados pudessem adquirir ações da Vale do Rio Doce privatizada. À época, em 1997, quando foram criados os termos de adesão, havia cerca de 35 mil quotistas na Vale do Rio Doce, ou seja, 35 mil empregados e aposentados pagaram 1 real para adquirir quotas, conforme o termo de adesão. Cada empregado ou aposentado tinha o direito de adquirir uma quota no valor de 1 real e, salvo engano, trazia cerca de 500 ações. A compra dessas ações foi financiada pelo BNDES. Elas foram compradas com deságio de 70%. Isso já estava previsto no programa de desestatização.
Foi um mecanismo muito interessante para os empregados, porque, ao custo de 1 real, passaram a ter um papel muito valorizado. Esse papel era formado de ações ordinárias e ações preferenciais. As ações preferenciais ficaram como garantia em relação à dívida com BNDES. Elas não podiam ser negociadas no mercado de ações. Só poderiam ser negociadas entre os próprios quotistas, e isso acabou acontecendo.
A liberação dessas ações ocorreria com o pagamento da dívida com o BNDES, de 180 milhões, com a última parcela em 2009, ou com a antecipação dessa dívida.
A partir de 2001 e final de 2002, os diretores e os membros do Conselho de Administração do INVESTVALE, réus num processo criminal que tramita na 7º Vara no Rio de Janeiro, resolveram mudar o estatuto original do INVESTVALE, o qual continha cláusula expressa de que os membros da diretoria não seriam remunerados. Essa é a prática normal em um clube de investimento, que é diferente de um fundo de investimento. Um clube de investimento é formado por pessoas que se conhecem, têm relação comum e de autoconfiança. E já existia à época uma resolução da BOVESPA que proibia a remuneração dos dirigentes de clube de investimento. Além disso, o INVESTVALE continha norma expressa em seu estatuto original a respeito do assunto.
Em 2002, os diretores do INVESTVALE e os membros do Conselho de Administração reuniram-se em assembléia geral extraordinária, realizada de forma absolutamente atípica, uma vez que ocorreu no prazo de 36 dias, quando a lei prevê o máximo de 30 dias. E 15 dias antes do encerramento, os diretores e membros do Conselho de Administração, prevendo que ela não alcançaria o quorum mínimo exigido para a mudança do estatuto, acabaram prorrogando o prazo por mais de 60 dias, algo incomum, a prorrogação de uma AGE durante a primeira convocação. Se houve falta de quorum, se as pessoas deixaram de votar, foi porque manifestaram de forma tácita o interesse de não mudar o estatuto.
Mas os acusados acabaram fazendo ampla campanha de votação para que se inserisse no novo estatuto a possibilidade de remuneração, que era uma cláusula aberta e não previa nada além disso.
A partir dessas assembléias, feitas de forma fraudulenta, segundo o entender do Ministério Público, uma vez que não foram observadas as regras legais, o Conselho de Administração se reuniu, já a partir do novo estatuto, e instituiu o que chamaram de taxa de liquidez, nomenclatura que, no mercado, é parecida com a de taxa de performance. No caso do INVESTVALE, não tem nada a ver com taxa deperformance.
A taxa de liquidez previa o seguinte: uma vez liberadas essas quotas que estavam em garantia junto ao BNDES, que não podiam ser negociadas, antes de 2009, os diretores do INVESTVALE, por conta dessa atuação para liberação, fariam jus a determinada porcentagem do valor total que seria liberado. Quando a assembléia geral extraordinária foi concretizada e se instituiu a taxa de liquidez, os investidores do INVESTVALE já se movimentavam para conseguir a antecipação de liquidez dessa dívida.
Essas informações não eram repassadas aos quotistas. O quotista que ligava para o INVESTVALE ou que o procurava para saber o valor da sua quota recebia a informação de que ela valia 32 reais e de que ele poderia vendê-la somente para outro quotista por 35 reais. E, na verdade, aquela quota, uma vez liberada, valeria no mínimo 5 vezes mais do que aquilo que era o preço que a ação da Vale do Rio Doce equivaleria. Só que esse preço era omitido nos balanços do INVESTVALE e não era informado para os quotistas em geral desse clube de investimento - estou falando de milhares de pessoas, não apenas daqueles que estão no centro do Rio de Janeiro e em contato com a diretoria.
Então, quando instituíram essa taxa de liquidez, os diretores, de forma não "publicizada" entre os quotistas, já haviam procurado o Bradesco, a BRADESPAR, que era um dos integrantes do consórcio que adquiriu a Vale do Rio Doce, para negociar com eles a antecipação da dívida do BNDES e liberar as quotas. Isso porque as quotas que estavam em garantia, que estavam em poder do BNDES, já valiam muito mais do que a própria dívida. Então, havia interesse em financiar essa negociação.
Segundo depoimento do então Presidente do BNDES, Carlos Lessa, quando o BNDES soube dessa negociação envolvendo o Bradesco e o INVESTVALE, que se tratava de um put, um contrato de opção, que daria à BRADESPAR a preferência na compra dessas ações - ações preferenciais, que dão até poder de veto no âmbito da administração da Vale do Rio Doce -, com medo do que seria feito com essas ações após a liberação, por uma questão nacionalista, como ele próprio disse, resolveu então o BNDES aceitar a antecipação do pagamento da dívida e comprar essas ações.
Aconteceu isso em novembro de 2003. Com essa liquidação, as quotas foram compradas pelo BNDES, e a taxa de liquidez, implementada meses antes, acabou gerando para os diretores do INVESTVALE um dividendo em torno de 35 milhões de reais à época. Ou seja, por conta de uma atuação sem que houvesse nenhum esforço físico ou intelectual, apenas devido à realização de uma assembléia geral extraordinária que foi fraudada, instituiu-se uma taxa de liquidez que acabou levando ao enriquecimento 2 diretores do INVESTVALE, com o beneplácito do Conselho de Administração.
Isso consta da denúncia na parte referente ao crime de gestão fraudulenta, que está disciplinado no art. 4º da Lei nº 7.492, de 1986.
Ademais, além dessa questão da taxa de liquidez, os diretores, já cientes de que conseguiriam a liquidez dessas quotas, não informaram isso a todos os quotistas - temos depoimentos nesse sentido. Os quotistas, procurando o INVESTVALE por meio da central de atendimento ao quotista (um 0800 foi disponibilizado), recebiam sempre a informação de que a quota deles só seria liberada em 2009.
Isso aconteceu em meados de 2003, quando as tratativas de liberação estavam em andamento. Então, esse quotista desavisado, precisando de dinheiro, acabava vendendo as quotas, por 35 reais, para outro quotista. E, não por coincidência, muitas dessas quotas foram compradas pelos próprios diretores e membros do Conselho de Administração do INVESTVALE e por pessoas próximas à diretoria e a escol desses clubes de investimento - não se vêem empregados de menor escalão nessas diretorias ou nesses conselhos de administração.
Então, isso foi definido também na denúncia como crime de sonegação de informação para se obter vantagem pessoal, disciplinado no art. 7º da lei que citei, que define os crimes contra o sistema financeiro.
Posteriormente houve um aditamento objetivo à denúncia. Foi trazido outro fato, que foi a criação dessa central de atendimento ao quotista, feita pelos denunciados, pelos acusados, por meio de uma empresa que eles criaram chamada INVESTVALEPAR. Essa central determinava que qualquer negociação de quotas teria de passar por ela, ou seja, se algum quotista quisesse vender uma quota, teria que passar para o INVESTVALE, que a venderia para um outro quotista. Os acusados e algumas testemunhas até tentaram explicar essa situação, porque ali se procurava tornar fechado aquele grupo, para que pessoas de fora não fizessem a aquisição. Havia contratos de gaveta, por exemplo, para aquisição de quotas, para que pessoas de fora da empresa ou desconhecidos não se tornassem donos dessas ações preferenciais, uma vez liberadas pelo BNDES.
Acontece que essa central de atendimento, que intermediava a negociação de valores mobiliários, recebia algo em troca disso, porque a quota era vendida por 35 reais, e o quotista ficava com 32; então, 3 reais ficavam com o INVESTVALE a título de taxa de administração. Isso nada mais é do que intermediação e captação de recursos de terceiros, intermediação de negociação de valores mobiliários, o que depende, para que seja lícito, de autorização da Comissão de Valores Mobiliários.
Como não houve essa autorização da Comissão, acabamos denunciando, devido a esses fatos, os mesmos diretores e membros do Conselho de Administração, por um outro crime definido na Lei nº 7.492, que é o de intermediar valores mobiliários sem a autorização do órgão competente, que, no caso, é a CVM.
Basicamente essas são as acusações que foram feitas. Hoje, não há como calcular ainda a quantidade de pessoas que foram prejudicadas e o valor desse prejuízo, porque centenas e centenas de quotistas venderam suas quotas pouco antes da liberação, com a informação de que elas seriam liberadas só em 2009. Venderam-nas por 35 reais, e, do dia para a noite, elas passaram a valer mais de 170 reais. Então, essas pessoas perderam muito dinheiro, ou deixaram de ganhar, tendo em vista que adquiriram cada lote dessas quotas por 1 real quando do financiamento do BNDES.
Então, a par da acusação formal, estamos ainda correndo atrás do patrimônio dessas pessoas que foram acusadas. Já conseguimos seqüestrar vários bens móveis e imóveis, vários ativos financeiros, mas a dívida é alta, se isso for considerado, no final, pela Justiça. O desfalque foi de 35 milhões de reais, mas, juntando a parte descontada do INSS, verifica-se que 42 milhões de reais foram tirados do patrimônio do grupo de investidores. Era um patrimônio a ser dividido entre os quotistas da época. Hoje, essa dívida, atualizada, chega a 100 milhões de reais. O que já se conseguiu de seqüestro e caução até agora ainda não atingiu essa cifra, que é bem significativa. Isso sem contar o problema dos quotistas que venderam suas quotas a preço muito inferior e acabaram perdendo muito dinheiro.
A denúncia descreve também a situação de vários desses diretores e membros do Conselho de Administração que aparecem comprando quotas, durante todo o ano de 2003, ou, a partir de janeiro de 2004, vendendo-as, ou, então, guardando-as até hoje, porque são ações da Vale do Rio Doce, muito valorizadas. Muitos ainda guardam essas ações até hoje.
Hoje, o clube de investimento não conta mais com tantas pessoas como antes, uma vez que as quotas foram liberadas, e as pessoas as venderam, antes ou depois da liberação.
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