A decisão do Ministério Público de SP de investigar um clube de elite por exigir que babás vistam branco no estabelecimento gerou polêmica e abriu um debate nas redes sobre a exigência da roupa branca para as profissionais do ramo.
Inúmeras opiniões, contrárias e a favor, foram expressas, mas uma voz pareceu estar pouco representada: a das babás. O #SalaSocial, da BBC Brasil, ouviu a opinião de quem trabalha ou trabalhou como babá. A exigência do uniforme no dia a dia do trabalho é válida, como ocorre em inúmeras profissões, ou pode se transformar em instrumento de segregação?
Veja algumas das opiniões que já recebemos:
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Destacamos abaixo o depoimento de Silvana Félix, de 41 anos, ao #SalaSocial.
"Fui babá durante 23 anos, mas, graças a Deus, não sou mais. A babá é quase invisível, tem que saber se fazer de invisível. É diferente de uma cozinheira ou de uma faxineira com seus papéis bem definidos. Dos empregados domésticos, acho que a babá é a que mais fica íntima dos patrões. Você levanta no meio da noite e encontra o patrão de cueca.
Tem horas em que esta intimidade é aceita e tem horas que não é. Não sabemos muito bem qual é o nosso papel. Fiquei cansada desta vida. Você tem que se dedicar muito, só tem folga de 15 em 15 dias.
Trabalhei em cinco casas e em todas tive de usar uniforme. O trabalho de babá é complicado porque não se limita a trabalhar dentro da casa. Os patrões precisam nos levar para onde forem e precisamos estar 'apresentáveis'. É algo cultural. A maioria dos patrões gosta de deixar claro que somos babás e não uma parente ou uma amiga.
Uma vez, vi a babá do Eddie Vedder (vocalista da banda americana Pearl Jam) na praia de biquíni com a patroa. Nem sempre eu podia colocar biquíni. Tem patrão que permite e outros que não permitem, e você tem de ficar de uniforme do lado da piscina. Quando ia viajar, se o patrão dizia para levar maiô, sabia que ia poder entrar na piscina ou no mar. Se não, sabia que ia ter que ficar olhando sentada do lado de fora. Já tive que ir para a praia com o uniforme completo. Nem precisa o patrão dizer isso expressamente. Eles não falam. A babá tem que saber pegar estes detalhes.
Nos clubes, tem que ir de branco, não tem jeito, porque tem muita madame e essa exigência do uniforme. Certa vez, em um clube de elite do Rio, fui proibida de entrar porque calçava chinelos. Era um domingo e eu estava com meus patrões e seus dois filhos, um de dois anos e outro de dez. Inclusive minha patroa estava de chinelo também, e o meu nem era qualquer chinelo, era bem bonitinho até.
Minha patroa reclamou, falou que era um absurdo, disse que os sócios estavam de chinelo porque, no Rio de Janeiro, todo mundo, pobre ou rico, usa chinelo. Mas não teve jeito. Disseram que era a regra do clube. Tivemos que voltar para casa para eu calçar um tênis. Não me senti mal, só achei uma grande besteira.
O uniforme deixa claro que você é serviçal. Serviçal é serviçal. Patrão é patrão. A roupa nos marca. É a mesma coisa no shopping. As patroas gostam de desfilar no shopping com a babá. Ela está pagando por isso e dá status. Não fica bem diante das amigas desfilar com a babá com roupa normal. Já trabalhei para patroa de 20 e poucos anos que exigia que a chamasse de dona ou senhora. Era muito estranho chamar alguém tão mais novo desta forma.
Eu fiz faculdade de Relações Internacionais e, uma vez, encontrei com uma amiga de uma ex-patroa na faculdade. Quando liguei para a casa dela para combinar algo relacionado a um trabalho, a empregada me chamou de dona e eu disse que não precisava disso. No dia seguinte, esta colega me deu uma super chamada, dizendo que a empregada tinha de me chamar de dona também.
Dizem que é bom usar uniforme porque deixa claro que a roupa está limpa, evidenciar o capricho da babá. Mas eu não trabalhava com bebê, mas com crianças maiores. Aí, a roupa branca é péssima porque você tem de deitar no chão, jogar bola. Isso suja muito a roupa, e você precisa trocar toda hora.
Tem preconceito? Tem. Mas é no clube, no restaurante, em tudo quanto é lugar. A tendência é se sentir diminuída. Uma vez, acompanhei a família para a qual trabalhava num almoço de batizado. Os patrões disseram para eu ir para a cozinha para arrumar meu almoço e chamei outra babá para ir comigo. Quando chegamos à cozinha, fomos escorraçadas pela dona da casa, que dizia que aquela não era a hora da gente comer, que estávamos atrapalhando.
Depois, ela levou um prato só para nós duas, com dois garfos. Foi humilhante demais. Disse que não queria comer, e ela me achou petulante. A outra babá começou a chorar. Minha patroa depois me pediu desculpas, mas a outra babá acabou sendo demitida.
Não se trata de aceitar ou não. Por exemplo, quando não falaram o nome das babás da Angélica. A gente não tem nome. Esse mundo de babá é assim. Faz parte entender que neste mundo de ricos e babás é assim. Graças a Deus sei meu lugar. Já fui para vários hotéis e, enquanto os patrões comiam, eu comia sozinha em outro lugar.
Se fosse só isso do uniforme, mas você vê muitas coisas, muitos detalhes. De pessoas que falam com a criança, mas não te dão nem oi. Já vi muitos casos de exploração. De patrões muito ricos que pagam meio salário mínimo para as meninas. Quando fui com uma família para a qual trabalhava para o Canadá, encontrei uma babá que não tinha roupas adequadas para o frio e os patrões não compraram nada para ela. Comigo aconteceu o mesmo. Os patrões disseram que iam comprar roupas de frio para mim e não fizeram isso. Mas eu reclamei e eles compraram, mesmo ficando de cara feia.
Tudo isso já me incomodou, mas me acostumei. Não somos vítimas nem quero ficar fazendo coitadismo. Eu ganhava bem. Ganhei muito dinheiro como babá. Não era uma coitadinha. Nunca questionei o uniforme porque ganhava bem. E com o dinheiro comprava meus livros, fazia minhas coisas.
Acho que no final, quando já não precisava tanto do dinheiro, eu passei a falar mais quando algo me incomodava. Aprendi a ter voz, porque sentar e chorar não vai resolver."
* Depoimento ao repórter da BBC Brasil Rafael Barifouse
BBC Brasil
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