terça-feira, 17 de agosto de 2021

A lição da pandemia


A devastação imposta pelo vírus trouxe de volta cogitações filosóficas, teológicas e científicas. Entra em pauta a existência de Deus, muito embora não se creia em evento como passagens bíblicas de punições divinas. De qualquer modo, cabe a cogitação de uma força superior determinante e ainda não descrita pelo estágio atual da física e das cogitações da filosofia.

 Não se trata de propor um Deus enquanto figura ontológica, segundo a imaginação do monge beneditino Anselmo de Cantuária, do século XI.  Lançou-se apenas a suposição de que, por essência e natureza, sua existência não poderia ser contestada. Mais o argumento da autoridade, do que a autoridade do argumento.

 Do mesmo modo que o argumento ontológico, a tese de São Tomás de Aquino recebeu oposição, sob o argumento da possibilidade de uma cadeia causal que remonte ao infinito. De todo modo, impressiona a razão da causa primeira, sob o ponto de vista do encadeamento.

 Ainda mais maravilhados ficaram os crentes da divindade ante os fundamentos cosmológicos.  A existência de Deus deriva da sensação de que o universo manifesta certa ordem, inexplicável sem a pressuposição de um magnífico relojoeiro. Não existiria nosso mundo sem essa ordem rigorosa, desígnio ou proposta. As raízes buscam água, as folhas se abrem com a luz; "O belo sistema que abrange o Sol, os planetas e os cometas só pode existir por desígnio de um Ser inteligente e poderoso" (Isaac Newton). A emergência da vida humana somente se deu graças à "perfeita sintonia" entre as leis que governam o universo. Se fosse mais forte a força da gravidade, as estrelas teriam exaurido seu estoque de hidrogênio e provavelmente a vida humana não teria tempo de evoluir. De outro lado, se a força que agrega os átomos fosse minimamente maior, a água necessária à vida poderia não ter-se formado. Enfim, como disse Jung, nossa existência é um milagre.

 Em contraposição, o evolucionismo no contexto da antropologia biológica expõe o caminhar desde os primatas até a humanidade de nosso século e dos vindouros, em suas diversas etapas e espécimes raciais, forte na seleção natural de Darwin e doutrinas correlacionadas que animaram a ciência moderna. Suas águas, contudo, são também represadas, por exemplo, no dique de que não há nenhuma homogeneidade entre as criaturas, o que seria esperável por coincidências biológicas num plano macro e quiçá infinito na evolução segundo idênticos procedimentos metodológicos; não há seres humanos absolutamente iguais, ainda que se considerando os gêmeos univitelinos. Destarte a evolução não explica o nascimento, o crescimento e a existência de toda a humanidade; e sobretudo no plano espiritual, que também torna magnífico nosso universo e impõe o respeito às ideias plúrimas e às liberdades pessoais e públicas. A ideia de um grande articulador, nesse plano, é irremissível.

 Sabe-se que a filosofia encontrou respiradouro no pragmatismo, segundo o qual é verdadeiro o fato que nos conduz à utilidade e ao bem estar entre todos os componentes da sociedade animal. O cardeal Newman (1801-90) fundamentou a existência de um ser superior na imperiosidade da moralidade humana; suas virtudes são suficientes para nos fazer crentes e abolir a mínima manifestação de ódio entre os viventes.  Não há dúvidas quanto ao bem ínsito ao pragmatismo religioso, ao sacrifício da verdade a uma fé benemérita.

 O ataque indistinto a todos os seres da Terra por um organismo invisível e que para muitos é o nada (dando-se de barato que o nada possa ser) voltou a despertar no homem sua amizade à sabedoria. Até porque talvez não tenhamos respostas a essas questões magnas, que, todavia, virão no futuro. O estádio da ciência e da filosofia em que nos encontramos é que se revela insuficiente às respostas cuja insuficiência nos incomoda reiteradamente. Daí o sentido da dialética ou da contradição tão bem enunciado por Hegel, não obstante sua derivação para o idealismo: a dupla face de todos os fatos, a tese e a antítese, fenômeno que nos levará à clareza das tão valiosas sínteses.

 *Amadeu Garrido de Paula, é poeta e ensaista literário, é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de causas relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e Sindical. Fundador do Escritório Garrido de Paula Advocacia e autor dos livros: "Universo Invisível" e "Poesia & Prosa sob a Tempestade" e do blog: Ambos à venda na Livraria Cultura e também um dos ganhadores do "Concurso Nacional de Novos Poetas de 2020" e do "Concurso Sarau Brasil 2020", ambos da editora Vivara.

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