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Ouro Preto
04 de agosto de 2021Por Lucas Porfírio
Na tarde desta terça-feira (03), um grupo de aproximadamente 80 pessoas, composto por moradores e garimpeiros de Antônio Pereira, fizeram uma manifestação na Praça Tiradentes, centro histórico de Ouro Preto. O ato foi organizado pela Associação Movimento Antônio Pereira Para Todos - AMAPT.
O protesto teve início no terminal rodoviário 8 de julho e depois se concentrou em frente ao Museu da Inconfidência. Com faixas, alto falantes e bateias, os manifestantes se levantaram contra a empresa Vale que, segundo eles, vem impedindo a atividade do garimpo artesanal no distrito.
A garimpeira Ivone Zacarias conta que eles sempre viveram do garimpo: “hoje estamos aqui defendendo os nossos direitos, porque a Vale não quer deixar nós trabalharmos mais no garimpo. Ela construiu uma nova estrada e nós garimpávamos do lado da nova estrada [...]. Hoje em dia nós não podemos passar mais [...]. A Vale não está dando sossego para nós, tá tirando o alimento de nossas mesas, é lá no garimpo que nós tiramos o sustento de nossos filhos e netos”.
Jeane Carla, que também é garimpeira, explica que muitas vezes estão trabalhando e acontecem batidas da Polícia Militar do Meio Ambiente. “Tem uma amiga minha e um colega que foram presos trabalhando manual. A Vale quer que a gente pare de trabalhar. [...] Eu fui criada no garimpo, a minha família toda foi criada no garimpo e desde sempre eu trabalho no garimpo. [...] A Vale vem tentando tirar essa cultura de Antônio Pereira, nós não podemos deixar isso passar”, completou.
Os manifestantes reclamam também que, em decorrência do descomissionamento e descaracterização da Barragem de Doutor, estão enfrentando graves problemas com a poeira provocada pela obra. Gislene Costa, moradora do distrito, relatou que: “eu tô aqui dando uma força para o pessoal do garimpo, mas quero deixar bem claro sobre a poeira que está em Antônio Pereira. Eu tenho dois filhos [...] com problemas de bronquite, fazem uso de bombinha constante.
Devido a estrada que a Vale acessa para fazer o descomissionamento está tendo muita poeira, estou tendo muito mais gastos com os medicamentos dos meus filhos por causa disso. A casa não para limpa, não tem como passar um pano mais, tem que jogar água. Tá uma falta de respeito com a comunidade, a gente pede socorro”.
A manifestação, que iniciou por volta de 15h30 da tarde e foi até à noite, também protestou contra a Saneouro. Cleiton Gonçalves, que é garimpeiro e nativo do Pereira, afirmou que eles estão sendo afetados na questão da água: “nunca pagamos água e agora as pessoas estão muito revoltadas com a Saneouro, ter que cobrar água com o tanto de fartura que nós temos. As nossas cachoeiras, nascentes, estão muito perto das nossas casas para que a Saneouro venha cobrar taxa de água dos moradores ouro-pretanos e dos distritos. [...]”.
O Liberal entrou em contato com a Saneouro, mas, até o fechamento, não tivemos retorno.
Participação na Tribuna Livre da Câmara Municipal
Por volta de 19h30, dois representantes dos garimpeiros puderam participar da Tribuna Livre da Câmara Municipal. Na ocasião, o garimpeiro Wilson Nunes Antônio leu para os vereadores o requerimento que encaminharam ao Ministério Público solicitando apoio. Um trecho do requerimento diz: “Agora com o risco do rompimento da Barragem do Doutor, a atividade de extração manual do ouro está sendo proibida. A obra de descomissionamento está impactando diretamente os garimpeiros, em virtude da construção da nova estrada da Vale que será utilizada para construção do vertedouro que vai transferir a água, que vai hoje direto da barragem para o Rio Água Suja, exatamente, para o local onde é exercida a prática artesanal do garimpo. Segundo informações da Vale, vai subir mais de 1m nas águas do rio”.
Os garimpeiros questionam se após a obra de descomissionamento poderão continuar garimpando no local. “[...] por falta de diálogo da Vale com a comunidade, solicitamos que sejam tomadas as providências necessárias para que os garimpeiros, trabalhadores e trabalhadoras atingidos [...] sejam incluídos no projeto social da Vale. Que passem a receber o auxílio emergencial durante a obra de descomissionamento, ou que se torne um benefício permanente, caso não seja possível que os atingidos continuem com a prática artesanal do garimpo em virtude da interferência da Vale nos rios”, leu, ainda, Wilson.
Wilson pediu que os vereadores da Câmara Municipal assinassem uma declaração reconhecendo o garimpo artesanal e o grupo de garimpeiros de Antônio Pereira. A vereadora Lilian França falou da necessidade da criação de uma lei que garanta que uma porcentagem dos impostos referentes à mineração fique no distrito em que as mineradoras estão: “o dinheiro retorna para Ouro Preto, mas deveria retornar uma porcentagem para as atividades sociais (no distrito)”.
Durante a Tribuna Livre, Wilson relatou a presença de crianças e adolescentes de 13, 14 anos que também exercem a atividade do garimpo, muitas vezes, no intuito de, segundo ele, “arrumar a unha e o cabelo nos finais de semana'”. O vereador Nercio Ferreira, que também é assistente social, pontuou que essa é uma realidade preocupante. “Isso tem que ter uma ação na política de assistência social do município de Ouro Preto, juntamente com os órgãos de proteção à criança e ao adolescente. [...] A gente quer garantir ao jovem [...] capacidade digna de desenvolvimento, de educação, etc. A responsabilidade, o dever é da sociedade civil organizada, da comunidade, do poder público, da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, da Câmara Municipal [...] e também compromisso da promotoria de justiça. [...] Vocês são vítimas de um sistema chamado capitalismo, que é um sistema excludente.”, completou.
O LIBERAL entrou em contato com a Mineradora Vale para saber sobre as solicitações, dúvidas e reclamações dos moradores e garimpeiros de Antônio Pereira. A empresa afirmou: “Em razão da descaracterização da barragem Doutor e considerando os riscos relacionados, o acesso à Zona de Autossalvamento (ZAS) foi restrito até que o processo de descaracterização seja finalizado. A Vale esclarece que concede auxílio mensal, a partir de decisão judicial em Ação Civil Pública, para as famílias evacuadas e pessoas que possuem terrenos na ZAS. [...]”.
Ainda, sobre a poeira, informaram que: “A Vale esclarece que já se mobilizou para acelerar medidas que reduzem os impactos na região da barragem Doutor no curto e médio prazo, como a aplicação de polímeros, produto que ajuda a reter a umidade no solo e reduzir poeira em caso de ventos, e aplicação de biomanta (cobertura vegetal) onde for possível. As ações preventivas durante o período de seca serão intensificadas”.
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