domingo, 23 de outubro de 2016

Estudantes franceses desfrutam 'la vie en rose' em 'Belorrizonte'

Quando elas chegam ao bar, os garçons sentem o perfume diferente. “O cheiro chama atenção”, diz o responsável pelo caixa, que se apresentou como Álvaro, um jovem desinibido que não perde a oportunidade de tecer elogios, ainda que precise recorrer ao tradutor online – “vous êtes très parfumé, très belle” – para dizer às clientes francesas que elas estão cheirosas e bonitas. Os rapazes também chegam cheirosos, confessa Álvaro, que, sem falar uma palavra em francês, agrada aos fregueses gringos. “E meu português ainda é ‘do básico’, porque eu sou do interior do Estado, mas eles são bacanas, a gente se vira (na base da mímica)”, conta e dá um tchau sorridente para a mesa perfumada.

Desde que aterrissaram em bando, no início de setembro, em Belo Horizonte – ou “Belorrizonte”, como soa o sotaque europeu –, os 120 estrangeiros que vieram fazer intercâmbio em uma escola de negócios curtem “la vie en rose”, um clichê francês, título da canção de Édith Piaf, citada pela estudante Valeria Podkidysh, 22, para traduzir a vida “cor de rosa” e “maravilhosa” que eles desfrutam na capital mineira, a cerca de 9.000 km de casa.

Cachaça. Todas as noites eles aparecem no Bar do Antônio, no bairro Luxemburgo, na região Centro-Sul, onde a maioria está hospedada. Como quem está “à volonté” no esplêndido Le Jardin du Luxembourg, em Paris, eles chegam ao bar juntando as mesas, dão “bom dia” (confundido muitas vezes com o “boa noite”) e, já que estão no Brasil, pedem várias caipirinhas.

“Parece que eles já saem da França sabendo os nomes das bebidas daqui”, comentou um garçom. Só que o preço salgado (R$ 9,90) da bebida típica faz os estudantes juvenis (entre 20 e 27 anos) optarem mais pela cerveja de R$ 8,50, a “Brahmá”, pronunciando a última sílaba fortemente. O vinho francês, vendido bem mais caro aqui, também tem ficado de lado e sido substituído pelo chileno.

Se bebem “Brahmá”, cada um deles pede sua própria garrafa de 600 mL. Naquela sexta-feira, havia sete na mesa. Ao que parece, entre os franceses não há essa intimidade de compartilhar bebida, tampouco petiscos. “Se eles pedirem uma costelinha, eles comem sozinhos”, conta um dos garçons, cujo apelido é Tcho. “Teve um que pediu uma porção, aí eu levei quatro pratinhos achando que eles podiam comer juntos, né?”, emendou Tcho. “Que nada, o cara comeu sozinho, acredita?”, surpreendeu-se, logo após servir um sanduíche partido ao meio para que eu e a fotógrafa da pauta, modestas brasileiras, dividíssemos o lanche de R$ 18,90.

“Aqui!”, aprendeu o francês a chamar o garçom para pedir algo, como se faz no Brasil. Exceto a conta, que costuma dar R$ 60 de “golo” por cabeça, eles gostam de pagá-la diretamente no caixa, com o Álvaro, que garante que eles sabem tudo o que consumiram, até quantas garrafas, mesmo se estiverem bêbados, situação habitual na turma de universitários, que ainda fuma um cigarro após o outro.

Quando não está no Bar do Antônio, o grupo vai à “Savassí” (isso mesmo, falado com acento agudo no “i”), sem perder o sotaque. Às sextas e aos sábados, quando não tem aula na manhã seguinte, costumam partir para a balada. Alguns já foram a boates como Chalezinho, Paco Pigalle e Deputamadre.

Viagens. “Muitos curtem como se estivessem de férias e sempre viajam”, conta Gabriela Sampaio, coordenadora da Skema – escola francesa com campus na Fundação Dom Cabral, em BH. Enquanto estudam aqui, os gringos rodam o país, o interior de Minas Gerais e as praias do Rio de Janeiro, criam os próprios feriados, emendando-os com os fins de semana, para explorar roteiros pelo Brasil, convertendo euros em muitos reais.
De Uber

Preferência. A todo momento, para um motorista do Uber em frente ao hotel ou à escola onde os franceses estão hospedados e estudam. Eles usam o aplicativo para transitar pela cidade, pois dizem ser mais prático e barato.
Discrição. Os franceses estranham o jeito aberto do brasileiro de se relacionar, enquanto os europeus nem sequer se beijam em público.

Gírias. Assim como nosso “uai”, o “oh là là” dos franceses pode ser usado em situações boas ou ruins, depende da entonação.

Cobiça. Segundo as francesas, os brasileiros têm um olhar de cobiça. E a vontade delas é de pedir a eles que não as olhe assim.
Favelas. A ucraniana Valéria Podkidysh, 22, e outros colegas estrangeiros querem muito conhecer uma favela brasileira. Ao chegar próximo ao aglomerado da Serra, Valéria reparou no barulho de pessoas que vinha de lá e acredita que devem ter "mineiros legais e acolhedores ali, como no restante da cidade".
Passaporte. Um grupo de franceses contou que tentou conhecer o forró de BH, mas não entrou porque a casa de show exigia o passaporte original. “Parece que eles tiveram problema com menores antes”, disse Pierre Harington, 23.
Atividades. O presidente da Aliança Francesa, Thierry Carré, explica que, apesar de terem menos coisas para se fazer em BH do que no Rio de Janeiro, a instituição tenta mostrar as atividades culturais e os artistas da capital mineira para eles, e o que tem para se curtir aqui e nas cidades ao redor.
Francês. O pão de sal, que muitas pessoas chamam de pão francês no Brasil, não existe na França, onde as baguetes são mais famosas. As francesas acharam muito gostoso o tipo de pão, mas disseram ser engraçado porque não tem lá e mesmo assim é chamado de francês.
Cheiro. Os que conheceram a lagoa da Pampulha reclamaram do mau cheiro da água e acharam a capital mineira, no geral, suja. Uma estrangeira disse que o prefeito tinha que começar limpando a prefeitura.

Abertos

Gringo leva vantagem na paquera
“Gringo!”, exclamou, corrigindo-me um francês, quando eu disse “estrangeiro”. No Brasil, eles são chamados assim e reconhecidos de longe pela beleza diferente, pelo jeito de se vestir, de falar e até de andar, já que turista tem um caminhar diferente. Mas, segundo eles, ser gringo tem um “bônus”, especialmente na paquera.

“É como um troféu”, tentou explicar em português Pierre Harington, 23, ressaltando que o fato de eles serem de fora atrai muito mais oportunidades de conquistas. Aliás, todos têm curtido o jeito “hot and open” (quente e aberto) dos brasileiros em detrimento da “frieza” europeia.

Entretanto, os franceses acreditam que as brasileiras se apaixonam muito rapidamente com o romantismo deles. “Aqui, os homens são mais machistas”, comentou um deles. “Ainda estou no processo de entender essa diferença cultural porque pode não ser paixão, já que elas são mais carinhosas”, disse depois.

O Tempo

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