Reconhecido com o Prêmio Jabuti por “Veneno Remédio” (2008), elogiado ensaio sobre a cultura do futebol no Brasil e seus reflexos sociais e políticos para além das quatro linhas do gramado, José Miguel Wisnik está com o gatilho pronto para voltar a atingir o cerne problemático de vários Brasis. Nesta entrevista ao Magazine, ele falou dos dois projetos previstos para o ano que vem. Entre eles, um ensaio sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade e uma atualização de “Veneno Remédio”, na qual ele vai incluir as consequências de megaeventos recentemente sediados em terras tupiniquins.
Um dos seus principais projetos no ano que vem é uma análise da poética de Carlos Drummond de Andrade, a partir de uma crítica à mineração. Como se interessou por esse viés na obra do mineiro?
É um livro que tem muito a ver com a viagem que eu fiz em 2014 pelo interior de Minas, no Festival de Inverno. Estive em Itabira pela primeira vez e estar no espaço originário do Drummond me fez ler a poesia dele de maneira diferente. Então, quis escrever um pequeno livro que costura as relações do Drummond com a mineração, porque Itabira estava no epicentro da questão da mineração no Brasil, incluindo os planos exploratórios de modernização do país. Eu não tinha a menor ideia disso e percebi que as críticas e análises da obra do Drummond não consideram esse aspecto fundamental. Estou comprometido com a Companhia das Letras a entregar os escritos entre janeiro e fevereiro – para publicação no primeiro semestre do ano que vem.
Em “Veneno Remédio”, você afirma que o futebol realiza muitas coisas que deveriam ser modelo para outras instâncias, incluindo as culturais. Que tipo de exemplos pode dar sobre a comparação?
Eu creio que o Brasil está passando pelo teste do ‘Veneno Remédio’ hoje, neste momento, e eu não imaginava isso quando escrevi o livro, em 2008. Todas as contradições do país estão à tona, talvez mais do que nunca: especialmente essa contraposição que o livro apresenta entre a capacidade de gerar talentos e a incapacidade de gerir os seus potenciais. Os adeptos do regresso têm representado o Brasil, inclusive no futebol. Estamos batendo com velhas questões ligadas à relação entre o público e o privado, os velhos donos do poder que não admitem sair de cena.
Por isso a necessidade de rever o seu discurso?
Além disso, tivemos uma Copa do Mundo e as Olimpíadas que afetaram substancialmente o país enquanto acontecia um processo de impeachment escandaloso. Quero incluir um capitulo sobre isso no ensaio. Sem contar que, hoje, mais do que nunca, a Fifa é uma amplificação do veneno brasileiro, a ponto de desorganizar por completo a história e a memória social do futebol, a ponto de ter um presidente, o senhor Marco Polo Del Nero, que não sai de casa para não ser preso. Esse retrato é muito sintomático no país tido como da corrupção, ainda que por aqui abordagens sobre corrupção sejam viciadas em ter pouco esclarecimento. Temos uma deficiência de formação surreal hoje – mesmo com tanta informação. Por isso, a cultura, mais do que nunca, é um organismo vivo.
Como organismo vivo, o papel da cultura hoje seria mais de protesto ou formação esclarecedora?
O papel mais importante da cultura hoje é o político. Não é à toa que a primeira medida do governo Temer foi extinguir o MinC. O Brasil é um país que não quer se mediocrizar. Hoje, acredito que a cultura precisa combater o analfabetismo funcional galopante por toda a parte. A cultura precisa brecar toda a burrice enlatada.
O Tempo
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