“Há 30 anos, quase todos os bairros de Belo Horizonte tinham um circo. Era só falar na associação do bairro, achar um terreno e erguer sua lona. Mas, com o crescimento das cidades, a especulação imobiliária, a burocracia para ter o mínimo de infraestrutura, ficou cada vez mais difícil. Parece que começaram a nos rejeitar”, observa com desgosto Waldir Braga, 53, o Palhaço Pimentão, morador de Ibirité, na região metropolitana, que há meio século sobrevive de fazer os outros rirem.
O cenário de abandono da atividade circense na capital, porém, parece ter tido uma reviravolta animadora agora. Isso porque, após dez anos de reivindicações da classe artística, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) finalmente assinou um termo de cooperação, nesta semana, para construir o Centro de Referência do Circo, já apelidado de Cidade do Circo. As obras do projeto, que contou com apoio e divulgação do humorista Dedé Santana para sair do papel, estão previstas para começar em dezembro, mas ainda não há data de inauguração. A Cidade do Circo vai ocupar um terreno de 12 mil metros quadrados na antiga Estação Ferroviária da Gameleira, com dezenas de atividades, incluindo uma pioneira formação profissional.
O local, abandonado há décadas pelo poder público, resgata os primórdios da atividade circense no Estado. “Há muitos anos, artistas do circo usavam a linha férrea para se deslocar para Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e o interior de Minas. De alguma forma, eles estarão próximos de novo de suas raízes. E, principalmente, terão um espaço nada burocrático para levantar suas lonas, estudar, trocar informações”, avalia Sula Mavrudis, fundadora da Rede de Apoio ao Circo (RAC), que encabeça a proposta.
Na prática, a Cidade do Circo será um grande complexo dividido em várias áreas. Na Escola do Circo, por exemplo, um caráter prioritário será a formação profissional. Além de workshops, oficinas e cursos livres, uma parceria com a Spasso Escola de Circo irá trazer formação reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) para trapezistas, malabaristas, mágicos, entre outros. Com a medida, a capital mineira será inclusa nos poucos locais que fornecem formação profissional para palhaços, como acontece hoje apenas na Escola Livre de Palhaços e na Escola Nacional do Circo, ambas no Rio de Janeiro.
Cristiano Penna, palhaço do grupo Fanfalhaça, há 20 anos atua na formatação de oficinas e agora será um dos parceiros a ministrar o curso profissional de palhaços na Cidade do Circo. “Nós trabalhamos principalmente no interior, com oficinas de 20 a 50 horas de duração e nem sempre é suficiente. Nossa tradição é o ensino familiar, a aprendizagem do ofício de palhaço meio na marra. Agora, teremos a chance de fazermos um curso mais longo, similar a uma faculdade, incentivando a formação de palhaços diversos”, avalia Penna.
Além da formação, a Cidade do Circo vai dedicar um espaço para abrigar circos itinerantes – tentando sanar o principal problema das pequenas lonas. A proposta é abrigar um circo de até 30 m circulares de cada vez, com permanência média entre uma e duas semanas, tendo à disposição estrutura completa de água, luz, banheiros, área para lavagem de roupas e descanso e espaço para acomodação dos trailers.
A novidade é um alento para os cerca de 130 circos itinerantes de Minas Gerais. Para Xisto Siman, responsável pelo Circovolante – Festival Internacional de Circo, que aconteceu recentemente em Mariana reunindo centenas de grupos do Brasil e do mundo, esta será a chance para vários grupos do interior do país se deslocarem para a capital. “Quando as trupes tiverem uma referência fixa de espaço, naturalmente elas vão preenchê-lo. Além disso, a Cidade do Circo também vai atiçar a curiosidade de grupos de teatro por pesquisas no circo-teatro. Com a parte educacional, haverá uma importante construção da memória do circo, os artistas poderão estudar a fundo”, avalia Siman.
A estrutura educacional, aliás, pretende ser reforçada com a criação de um Centro de Memória do Circo, reunindo material jornalístico, audiovisual, fotos e registros de entrevistas com personagens fundamentais da história da arte em Belo Horizonte.
Essa é a oportunidade que Waldir Braga, o Palhaço Pimentão, espera para trazer a família de volta ao Fantástico Circo Show, que estreia nova temporada em Belo Horizonte no próximo dia 5, no Alípio de Melo. Com as dificuldades dos últimos anos, dois dos três filhos que trabalhavam no circo tiveram que conciliar a arte com outros empregos. “A família é formada por 12 pessoas, e todo mundo era sustentado pelo circo. Hoje, um também trabalha na manutenção elétrica e o outro com montagem de móveis. Diminuiram as apresentações por falta de espaço, mas espero frequentar bastante a Cidade do Circo. Por que, na tristeza ou na alegria, eu posso te garantir que minha vida é ser palhaço”, diz Walmir.
O Tempo
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