O inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal é claro: é assegurado a todos os jornalistas o direito de sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Apesar disso, após requerimento para abertura de inquérito feito pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), a Polícia Civil de Minas Gerais intimou as repórteres Angélica Diniz e Ludmila Pizarro, do jornal O TEMPO, na tentativa de descobrir a identidade das supostas fontes internas da estatal que teriam contribuído com informações para reportagens publicadas pelo jornal. O pedido é assinado pelo delegado Daniel Buchmuller de Oliveira.
Desde fevereiro, as jornalistas vêm acompanhando e noticiando a estratégia do governo mineiro para pagar as dívidas do Estado utilizando a venda de ações do nióbio e a contratação de empréstimo a juros altos por meio da Codemig.
Na última quarta-feira, a intimação da Polícia Civil chegou à redação do jornal determinando o comparecimento das repórteres ao Departamento de Investigações de Crimes contra o Patrimônio já no dia seguinte para prestarem depoimento. O inquérito havia sido requerido pela Codemig na segunda-feira, tendo sido instaurado em apenas 24 horas pela Polícia Civil.
Segundo o advogado Fábio Antônio Tavares, que assiste O TEMPO no caso, as jornalistas foram convocadas como testemunhas na tentativa de identificarem a fonte que baseou as matérias. “Elas foram intimadas para fornecer os nomes das fontes ou dizer se conheciam o nome de um servidor que teria sido demitido da empresa após ser acusado pela própria Codemig de ter sido o responsável pelo vazamento das informações”, contou.
Na manhã de ontem, as duas jornalistas atenderam a intimação e prestaram depoimento à Polícia Civil. Resguardadas pela Constituição Federal, Angélica Diniz e Ludmilla Pizarro se recusaram a revelar as fontes, ato compreendido pela própria escrivã da corporação que atendeu as repórteres.
Histórico
No dia 27 de fevereiro, a reportagem de O TEMPO revelou que o governo de Minas dividiu a Codemig em duas para facilitar a venda de 49% das ações sobre a exploração do nióbio. A recém-criada Codemge ficou com os negócios deficitários da empresa pública. Dessa forma, o governo conseguiria dinheiro rápido para o caixa, permitindo pagar dívidas com municípios e servidores públicos. Um dos problemas foi que toda a operação precisava da autorização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A negociação, porém, prevista para ser concluída em abril, não foi concretizada.
No final de março, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) suspendeu o processo de venda das ações. O argumento do órgão para barrar a privatização foi que a nova empresa, Codemge, foi registrada na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg) sem a autorização da Assembleia. A equipe técnica do Ministério Público de Contas (MPC) também questiona erros técnicos, atropelos e “obscuridade” no processo de venda dos 49% das ações sob a exploração do nióbio. “Não ficou claro também onde o governo vai aplicar os recursos da venda das ações”, questionou o conselheiro e relator do processo, José Alves Viana.
Entidades acusam ameaça à imprensa
Associações representativas da área jornalística se manifestaram sobre a tentativa de tentar expor as fontes das repórteres de O TEMPO sobre a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig).
A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Alessandra Mello, repudiou a atitude da Polícia Civil. "É uma coisa absurda, intimar repórter é coisa que acontecia só na ditadura. É lamentável ver isso acontecendo de novo. O sindicato se solidariza com as jornalistas e está sempre comprometido em defender os nossos direitos", apontou.
Para o diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, o ato se tratou de uma ameaça à liberdade de imprensa. “O sigilo da fonte é um direito dos jornalistas previsto na Constituição. É inadmissível que se busque afrontar esse direito. Trata-se de uma ameaça à liberdade de imprensa e, por consequência, ao direito da sociedade de ser livremente informada”, disse Pedreira em conversa com a reportagem.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também condenou, em nota, a atitude. “A Abraji considera a intimação das jornalistas como testemunhas no caso um risco ao sigilo da fonte, ao pretender confirmar as acusações da Codemig de que o ex-servidor teria repassado as informações à imprensa. Colocar em risco este instrumento fundamental para o ofício, garantido pela Constituição Federal, é uma ameaça à liberdade de expressão e, como tal, é digna de repúdio”.
Outro lado
Em nota, a Codemig afirmou que realizou protocolo de notícia-crime, interposta contra um ex-agente público. “Foi solicitada a instauração de inquérito para apuração de indícios de conduta criminosa perpetrada contra a Companhia. O protocolo foi realizado no Departamento de Fraudes da Polícia Civil”, mostra trecho do texto.
O Tempo
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