Cristovam Buarque
PUBLICADO EM 20/05/16 - 03h00
Partido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamadas de “tendências”. Ao chegar ao poder, essa prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força, e suas teses, aos poucos, abandonadas.
Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou de seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.
Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo de Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001.
O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social. Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, esses setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.
Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Esse baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.
Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira. Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade. Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição.
Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos. >Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, as leis e os ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor. Essa narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018.
É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das
“narrativas”.
O Tempo
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