A dramaturga Consuelo de Castro faleceu na madrugada dessa quinta-feira (30), em São Paulo, no hospital Sírio-Libanês. Ela lutava havia dois anos contra um câncer.
Consuelo foi uma das principais autoras da geração de 1968. Ganhou o prêmio Molière por Caminho de Volta em 1975, (recebeu o premio em Paris, grávida). Sua primeira obra, "A Prova de Fogo", foi proibida pela censura durante a ditadura militar. Foi também publicitária e autora de novelas.
Deixa dois filhos: a fotografa Carolina Lopes e o jornalista do jornal "O Estado de S. Paulo" Pedro Venceslau. O velório acontece no início da tarde, no cemitério do Araçá. O corpo será cremado no começo da noite na Vila Alpina.Ícone dos anos 1960
Na descrição da colega de geração Leilah Assumpção, que se considerava e era considerada por ela uma irmã, "Consuelo era uma força da natureza, como mulher e como dramaturga". "Sua dramaturgia era visceral, ela tinha o melhor diálogo do teatro brasileiro", acrescentou, chorando. Nos últimos anos, com o retorno do câncer, vinha se reunindo regularmente com amigos.
Num dos encontros, no apartamento da atriz Bete Coelho, em São Paulo, já com o governo Dilma Rousseff mergulhado em crise, questionou vigorosamente Lula e a presidente, dizendo que traíram José Dirceu, esquecido numa prisão no Paraná. Afirmou que não tinha partido, que era amiga de Dirceu e jamais o abandonaria.
Consuelo foi a autora mais engajada, politicamente, de toda a geração de dramaturgos que estreou em 1969 e que incluía Leilah, José Vicente, Isabel Câmara e outros. "Nós somos a geração 'angry young men' [jovens raivosos], quem nos chamou assim, se não me engano, foi o [crítico e diretor italiano] Alberto D'Aversa", afirmou ela à Folha de S.Paulo, há dois anos.
"Não éramos tão 'angry' nem éramos todos 'men', mas surgimos na contramão da ditadura militar e da censura. Na contramão do silêncio." Uma geração, sobretudo ela, que enfrentou seguidamente vetos e cortes, às vezes vencendo, outras não. Sua primeira peça, "Prova de Fogo", de 1968, só seria encenada 25 anos depois.O texto refletia seu envolvimento no movimento estudantil nos anos 1960.
Sucesso além das montanhas
Nascida em Araguari, interior de Minas, ela fez ciências sociais na USP, entrou para o Partido Comunista e conviveu com Dirceu, Aloysio Nunes Ferreira e outros futuros políticos. Zé Celso, que dirigiria "Prova de Fogo", lembra que "era uma peça sobre a guerra da USP com o Mackenzie, o Dirceu era o líder".
A peça com que ela estreou de fato foi "À Flor da Pele", no ano seguinte, em que se confrontam uma estudante e seu professor. Assim como o anterior era inspirado em Dirceu, o protagonista teria como fonte o crítico Sábato Magaldi. Foi novamente, como ela própria dizia, um texto "pós-Plínio Marcos", com poucas personagens, "fechadas, enclausuradas dentro de um local e dentro de si", com "a repressão dentro da alma".
Como outras peças da geração 69, foi "um puta de sucesso, de público, de crítica", lembrava Consuelo, que em seguida se afastou, foi trabalhar em publicidade no Rio e só voltaria a escrever anos depois. Foi quando estreou "Caminho de Volta", com direção de Fernando Peixoto, que com ela venceria o prêmio Molière de 1975. Embora escrevesse sem a regularidade da "irmã" Leilah, nunca chegou a parar.
Há dois anos, lançou "Três Histórias de Amor e Fúria" (ed. Giostri), com textos de três peças. Consuelo deixa dois filhos, a fotógrafa Ana Carolina Lopes e o jornalista Pedro Venceslau. Seu último trabalho foi um livro infantil inspirado no neto, Antonio, de 5 anos, filho de Pedro.
CONHEÇA AS PRINCIPAIS PEÇAS DE CONSUELO DE CASTRO:
1968 - "Prova de Fogo"
- Peça enfoca o movimento estudantil no auge de sua mobilização. Foi censurada. Em 1974, foi premiada pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT) com o título "A Invasão dos Bárbaros". Ganhou sua primeira montagem em 1993
- 1969 - "À Flor da Pele"
- Retrata um caso de amor tumultuado entre uma jovem atriz e seu professor. Ganhou diversas montagens
- 1974 - "Caminho de Volta"
- Retrata o ambiente de uma agência de publicidade que enfrenta uma crise financeira que, por sua vez, desencadeia crises pessoais entre os funcionários
- 1975 - "A Cidade Impossível de Pedro Santana"
- Retrata os sonhos e descaminhos de um arquiteto que luta por projeto de urbanismo popular
- 1985 - "Mel de Pedra"
- Desejos e frustrações de uma bailarina e de uma antropóloga
- 1987 - "Uma Caixa de Outras Coisas"
- Roteiro de dança-teatro escrito para a bailarina Clarice Abujamra e dirigido por Antônio Abujamra
- 1998 - "Only You"
- Autor de novelas recebe visita de mulher enigmática, o que provoca uma busca por sua própria identidade
Repercussão
"Ela veio de uma geração que promoveu um avanço incrível na dramaturgia brasileira. E foi uma presença feminina muito forte nesse período. Tinha, em suas peças, uma intensidade social e poética. Ficam a admiração e a saudade", diz Aderbal Freire-Filho, diretor
"Na história do teatro brasileiro, as grandes mulheres sempre foram atrizes. Consuelo e sua geração conquistaram um novo campo de trabalho, um novo lugar intelectual feminino. Ela pensava seu momento histórico pelo viés da política, mas também do feminismo", diz Cibele Forjaz, diretora
"Além de excelente profissional, ela era uma das maiores intelectuais que o país já teve. Tinha uma inteligência e uma ironia muito próprias. Acho que fez parte da que, talvez, tenha sido a maior geração de dramaturgos que o Brasil já viu. O país perde muito com a morte dela, que continuava pensando, tinha ainda muitos projetos para desenvolver", diz Ivam Cabral, ator e diretor
"É uma perda muito triste. Tinha um carinho grande pela Consuelo. Considerava-a uma ótima autora de teatro, querida e engajada", diz Roberto Lage, diretor
O Tempo