O machismo corporativo custa ao Brasil R$ 461 bilhões. Essa é a quantia que seria injetada na economia do país de uma vez só se os salários de homens e mulheres fossem equiparados, segundo a pesquisa “Brasileiras”, do instituto Locomotiva. “A naturalização do machismo é, ao mesmo tempo, causa e consequência da desigualdade de gênero”, conta o presidente do instituto, Renato Meirelles. No levantamento, ele dá seu próprio exemplo. “Sou homem, branco, paulistano, com curso superior e tenho 39 anos. Pelo simples fato de ser homem, ganho 69% a mais do que uma mulher, branca, paulistana, de 39 anos, com a mesma formação”, aponta. Dados do IBGE do terceiro trimestre de 2017 mostram que a média de rendimento das brasileiras é 24,26% menor que a dos homens no país.
Um estudo de 2017 feito pelo site da Catho com mais de 13 mil profissionais avaliou a média salarial de homens e mulheres em 38 áreas, e só em duas as mulheres tinham salários maiores: academias e empresas de comunicação e editoração. Já na área de contabilidade, por exemplo, mulheres ganham, em média, 44,9% menos que os homens. “Essa realidade é resultado de uma cultura machista que só permitiu que a emancipação das mulheres brasileiras pudesse dar seus primeiros passos na década de 70”, diz a consultora de carreira da Catho Elen Souza.
A desvalorização da mulher profissional no mercado de trabalho ainda está ligada às tarefas domésticas. “Historicamente as mulheres não são vistas como profissionais com o mesmo grau de comprometimento que um homem, afinal as tarefas do lar e o papel de cuidar de filhos são erroneamente atribuídos somente a elas”, diz Elen Souza. Um estudo da Catho mostra que as mulheres deixam o trabalho seis vezes mais que os homens para cuidar de filhos.
A professora de direito do trabalho na PUC Minas e na OAB-MG Raquel Betty de Castro Pimenta lembra que a responsabilidade pelos idosos também recai sobre a mulher. “O cuidado com filhos e idosos ainda é visto na sociedade organizada como responsabilidade da mulher”, afirma. Para a professora, o pensamento dificulta tanto a inserção como a promoção da mulher no mercado de trabalho.
Vida pós-maternidade. A empresária e coach Mel Bracarense, 39, encontrou no empreendedorismo uma forma de manter a carreira após a maternidade. Gerente de recursos humanos por 15 anos, ela foi demitida quatro meses após o nascimento do primeiro filho. “Foi o dia mais difícil da minha vida. Ali eu vi que não ia continuar no mercado de trabalho”, relata.
Segundo a pesquisa do instituto Locomotiva, 68% das mulheres concordam que “para uma mãe é melhor ter o próprio negócio do que trabalhar em uma empresa, assim ela tem mais flexibilidade para cuidar dos filhos”. Hoje, Mel mantém o projeto Mães com Carreira, que ajuda mulheres a investirem na própria empresa. “No Brasil, 75% das mulheres que empreendem o fazem depois da maternidade”, afirma Mel. Ela aponta a diferença de tratamento que os homens recebem. “Nas entrevistas com mulheres é nítida a preocupação com cuidado, se tinham filho, se teriam que levar ao pediatra, preocupação que não aparecia quando se contratava um homem, mesmo que ele fosse pai”, diz.
Presença
Dados. A participação da mulher no mercado formal de trabalho passou de 40,8% em 2007 para 44% em 2016, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho.
Falta política pública de apoio ao cuidado com filhos e idosos
A legislação brasileira e as normas internacionais ratificadas pelo Brasil são positivas para coibir disparidades salariais entre homens e mulheres, mas faltam políticas públicas para apoiar a mulher profissional, na avaliação da professora de direito do trabalho da PUC Minas e da OAB-MG Raquel Betty de Castro Pimenta.
“É necessário investir em políticas públicas que garantam a inserção e a manutenção da mulher no mercado de trabalho, como creches de qualidade, locais para idosos, estrutura de transporte seguro para a mulher”, avalia.
“As pessoas acham que, por poder engravidar, as mulheres não podem ser promovidas, porque várias deixam o mercado de trabalho por não terem onde deixar os filhos”, diz o presidente do instituto Locomotiva, Renato Meirelles. Ele diz que 24% das mulheres que trabalham já trocaram de emprego uma vez para se dedicarem mais à família, contra 17% dos homens.
Minientrevista
Elen Souza
Consultora de carreira Catho
Quais os desafios enfrentados pela mulher no mercado de trabalho que explicam os salários mais baixos? Historicamente as mulheres não são vistas como profissionais com o mesmo grau de comprometimento que um homem, afinal as tarefas do lar e o papel de cuidar de filhos são erroneamente atribuídos somente a elas. Além disso, elas enfrentam dificuldade para reingressar no mercado após serem mães. No entanto, isso nem sempre é uma regra, e, hoje em dia, existem mais possibilidades para conciliar a vida pessoal e a vida profissional, como horário flexível e home office. As profissionais em cargos estratégicos possuem mais recursos para conciliar com assertividade as demandas.
A situação tem melhorado para a mulher? Sim, com pequenos, mas importantes passos. No Brasil, segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, ainda levaremos cem anos para ter equiparação salarial entre homens e mulheres. É um longo caminho, mas as oportunidades para mudar esses cenários estão no radar das organizações.
O Tempo
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