3 de setembro de 1966. Em plena ditadura militar, sob o governo de Israel Pinheiro em Minas Gerais, nascia uma das mais revolucionárias publicações literárias do Brasil. Pensado e idealizado por Murilo Rubião (1916–1991), escritor e intelectual com centenário celebrado no ano passado, o “Suplemento Literário de Minas Gerais” sobrevive ainda hoje no formato impresso, cinco décadas após ter publicado gente do calibre de Drummond, Augusto de Campos, Clarice Lispector, Dalton Trevisan e Lygia Fagundes Telles.
Para celebrar essa história rica de pioneirismo, resistência e literatura da melhor qualidade, a Secretaria de Estado de Cultura lança, na tarde deste sábado (11), a edição especial de 50 anos do “Suplemento Literário” – incluindo os melhores textos, além de poemas e análises inéditas sobre a publicação.
Tido como o maior movimento literário de Minas Gerais, o “Suplemento Literário” começou a ser publicado dentro do “Diário Oficial de Minas Gerais” – no qual até hoje é encartado em um sábado por mês e distribuído para 200 municípios do Estado. Um dos principais méritos de Murilo Rubião foi unir gerações distintas em um mesmo jornal, além de traduzir autores inéditos no Brasil à época – criando uma publicação com peso de grandes escritores e ao mesmo tempo apta a revelar talentos mais jovens.
“É importante dizer que o Suplemento Literário foi assumido por uma geração literária – talvez a última que se articulou com essa magnitude em Belo Horizonte. Víamos tentativas de movimentos desde ‘A Revista’, da turma do Drummond, em 1925. A cidade era marcada por grupos que se sucediam. Teve o grupo Tendência, do Affonso Ávila, a revista “Estória”, do Luiz Vilela. Mas nenhuma durava mais do que três anos. O ‘Suplemento’ foi a resposta a isso porque juntou Drummond e Sérgio Sant’Anna, por exemplo”, pontua Angelo Oswaldo, editor do “Suplemento Literário” entre 1971 e 1973, e atual secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais.
É justamente essa essência que a edição comemorativa de 50 anos do “Suplemento Literário” carrega. Organizada pelo atual editor, Jaime Prado Gouvêa, as 71 páginas do jornal resgatam momentos memoráveis da literatura brasileira. E contam a história de uma publicação modesta, mas poderosa, que na época tinha “oito páginas, que podiam passar a dezesseis em certas edições especiais”, como diz Jaime.
Dividido em contos, poemas e análises acadêmicas inéditas, a publicação reproduz desde o primeiro número do jornal, com ilustração de Álvaro Apocalypse e poema de Breno Rivera, incluindo o fac-símile original de 1966, indo até análises inéditas de Humberto Werneck, um dos escritores revelados pelo “Suplemento Literário”.
Esse resgate histórico das páginas antigas, aliás, está presente nos textos mais importantes selecionados por Jaime Prado. “O ‘Suplemento Literário’ sempre prezou por uma estética dos poemas também. E vários poetas tinham ligação com as artes plásticas, como Sebastião Nunes, Amílcar de Castro e Márcio Sampaio, o que fazia com que as páginas tivessem caráter visual interessante. Por isso, ao republicar os melhores textos e poemas na edição de 50 anos, prezamos por apresentar os textos com o fac-símile original da época”, justifica João Barile, redator do ‘Suplemento Literário’.
Um dos recortes mais interessantes da edição comemorativa são as traduções. À época, os redatores do ‘Suplemento’ costumavam traduzir autores como Gabriel García Marquez e Julio Cortázar “na tora, do jeito que dava”, como lembra o escritor Libério Neves. “Tem muita coisa interessante. Como a tradução do Affonso Sant’Anna para o texto ‘A Banda Policial’, do autor norte-americano Donald Barthelme – um cara que só começou a ser traduzido oficialmente no Brasil no ano passado. Ou uma ousadia maior: a tradução de Humberto Werneck de ‘A Prodigiosa Tarde de Baltazar’. O próprio Humberto brinca que só sendo muito jovem para ter coragem de traduzir Gabriel García Márquez assim, de supetão mesmo. Mas, apesar disso, foram ousadias intelectuais que só provaram a qualidade intelectual que Minas reuniu”, diz Libério
AGENDA
O quê. Lançamento da edição de 50 anos do “Suplemento Literário”
Onde. Livraria Ouvidor (rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi)
Quando. Neste sábado (11), a partir das 11h
Quanto. Entrada gratuita
Onde. Livraria Ouvidor (rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi)
Quando. Neste sábado (11), a partir das 11h
Quanto. Entrada gratuita
“SUPLEMENTO LITERÁRIO”
Sobrevivência do papel em meio à cultura digitalizada
Em meio a cinco décadas de história, hoje, o “Suplemento Literário de Minas Gerais” já conta com as suas cerca de mil edições digitalizadas pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – que mantém o trabalho atualizado ano após ano, disponibilizando o material gratuitamente ao público. Ainda assim, e mesmo diante à crise que atinge publicações impressas em todo o mundo, a edição bimestral se mantém no papel, desafiando novos tempos, formas de absorção de leituras e, principalmente, a missão de continuar divulgando escritores talentos da literatura mineira e brasileira.
“Hoje, o ‘Suplemento’ está inserido no contexto de uma cultura digital que é muito forte, em termos de concorrência. Outras mídias se fortaleceram, enquanto o impresso perdeu muito o seu papel, sem querer fazer trocadilhos. Mesmo com todas essas questões, o ‘Suplemento Literário’ tem muito mais pontos positivos do que negativos. Ele criou uma forma de leitura e divulgação nunca vista antes no país”, analisa o poeta Fabrício Marques, editor do “Suplemento Literário” entre 2004 e 2005.
Além disso, Marques ressalta o caráter praticamente perdido em outras publicações culturais do Brasil: tempo para compreender e escrever. “Numa das últimas edições do ano passado, eu fiz uma entrevista de 13 páginas com o músico Tavinho Moura (compositor da geração Clube da Esquina). Eu fiquei quatro meses debruçado em cima disso, entrevistando, apurando e escrevendo com calma. É algo que não se vê hoje em dia mais: textos longos e mais trabalhados, com mais conteúdo”, diz Fabrício.
Em uma análise contemporânea, o secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, avalia que hoje em dia o “Suplemento Literário” não é mais “um instrumento de um grupo literário muito competente”.
“É um fato de que, nos dias atuais, o ‘Suplemento’ serve como importante meio de divulgação de autores mineiros e até nacionais. Mas não representa mais escritores conectados por diferentes gerações. É uma mudança natural, que os tempos pedem. Desejo vida longa ao ‘Suplemento’, tão longa que possa abrigar novos movimentos no futuro, mas que, especialmente, jamais deixe de divulgar a bela literatura do Estado e do Brasil”, diz o secretário.
Para o redator do “Suplemento Literário” João Barile, apesar da mudança de contextos, a publicação ainda mantém um de seus principais pilares. “Desde o início, em 1966, o Suplemento busca textos inéditos. Nada de republicar – incluindo as traduções pioneiras de Garcia Marquez e Julio Cortázar. Isso se mantém hoje. O Jaime Prado tem o cuidado de manter o ineditismo, peneirar os autores, trazer o novo direto ao leitor. É fantástico que isso se mantenha há 50 anos, mesmo com várias dificuldades financeiras, de impressão etc. É uma vitória”, analisa João.
O Tempo
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