Amadeu Roberto Garrido de Paula
"Sempre havia a moral de que é preciso continuar fazendo todo o
possível, no dia-a-dia; na política como em tudo o mais na vida,
para quem não é desmiolado, contam esses dois princípios: nunca
criar demasiadas ilusões e não deixar de acreditar que tudo o que
se fizer poderá ser útil."
Ítalo Calvino, "O dia de um escrutinador".
No último dia 17 de agosto, a Academia Latino-Americana de Ciências Humanas (Alalch), em coroamento da Semana dos Advogados, cuja dia de luz é o 11 de agosto, data de criação dos primeiros cursos superiores no Brasil, em 1827, simultaneamente no nordeste e no sudeste (Olinda e São Paulo), na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, agraciou advogados brasileiros com a "Medalha Rui Barbosa". Mais do que as condecorações, foram importantes os pronunciamentos neste momento crítico pelo qual passa a sociedade brasileira.
O compromisso de ambos foi com o direito, jamais divorciado da política, porque é seu primogênito; nada se faz sem que o seja por meio de normas jurídicas, os tijolos do edifício estatal. E cumpre aos juristas e homens honrados levar ao extremo um estado democrático e de direito. A melhor palavra consiste em suas condutas.
Rui, consciente dessa filiação, não foi apenas jurista, que, sendo apenas jurista, seria "uma triste coisa" (Radbruch). Compenetrado da importância das finanças públicas, foi Ministro da Fazenda; candidato a Presidente da República, foi derrotado pelo voto de uma nação ainda submetida a um precário sistema eleitoral e a uma extremamente discutível manifestação da vontade popular, que se arrasta até os nossos dias.
E o mais importante: ambos conscientes de que não é a palavra, mas o exemplo, que produz efeitos sobre o inconsciente da coletividade. As ideias políticas de Rui eram não mais que as racionalmente necessárias a uma época: o presidencialismo nos moldes norte-americanos era o único regime de governo compatível com a República e a Federação; e o encilhamento foi a tentativa de fazer decolar uma economia asfixiada, por meio da substituição do lastro ouro por títulos das dívida pública, o que muitos julgam a semente de nosso processo inflacionário e nossa dívida crônica. Sem atentar a estas palavras de Rui: “É dos homens políticos mudar; mudar é também dos filósofos, é também dos juristas, é de todos os espíritos humanos." Não mudamos, fizemos daquele presidencialismo inevitável o "presidencialismo da cooptação".
Sobre esses grandes homens públicos da nação brasileira jamais se agregou uma única mácula moral, enquanto economistas brasileiros acabam de calcular o montante da corrupção brasileira em alguns anos da república nova: 1,5 trilhão de reais...
Os únicos compromissos de Sobral Pinto eram com Deus e o bom direito. Pela manhã ia às missas e às tardes empunhava as armas do justo, em defesa, por exemplo, do líder comunista e ateu Luis Carlos Prestes. A defesa dos direitos individuais não esbarra em matizes ideológicas. Depois de inocentar um economista paulistano de uma acusação de crime econômico, arbitrou seus honorários em 2 mil (moeda da época). Foi-lhe dito pelo absolvido que era uma espórtula insignificante. Manteve-a. Recebeu um cheque de valor maior. Devolveu-o. Depois um cheque em branco. Idem, seus honorários corretos, pelos serviços prestados, não poderiam passar de 2 mil. A história do homem talvez não encontre um exemplo similar de consciência e persistência na realização do justo.
Nossa nação é composta de homens como esses, nos mais diversos rincões da vida, dos pensamentos e das profissões. Alguns, como exceção, em torno da política oficial. A maioria, porém, está mergulhada no mais nauseabundo pântano das repúblicas brasileiras.
Somente a conjugação de forças desses homens podem nos tirar da crise. Homens como os que, vindos de todas as áreas, honraram nesse dia o Conselho Federal da OAB.
A eles devem ser abertas as portas de uma nova Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, soberana e transitória, livre de trânsfugas despudorados. Seu produto será a Carta de todas as mudanças, de todas as reformas, o caminho limpo para a construção, ainda que tardia, de nosso País.
Fora dessa hipótese, só há manobras demagógicas.
Caminhemos, sem demasiadas ilusões e na paz construtiva de nosso dia-a-dia.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
Esse texto está livre para publicação.
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