No debate sobre “Era Uma Vez Brasília” no último Festival de Brasília, o diretor Adirley Queirós afirmou que a vida é sua única referência. Por isso, quando começou a filmar o longa – sobre um alienígena (Wellington Abreu) enviado à Terra para assassinar Juscelino Kubitschek, mas que se perde no caminho – ele não sabia o que aconteceria quando o personagem aterrissasse na Ceilândia nos dias de hoje. E a queda da presidenta Dilma Rousseff, e a ascensão de Michel Temer ao poder, no meio do processo de três anos de filmagem, acabou dando esse objetivo ao filme que será exibido neste sábado (20) às 22h, no Cine-Tenda.
O problema é que, quando chega à Terra e se une aos personagens de Andreia Vieira e Marquim da Tropa, eles formam um grupo de rebeldes – uma espécie de X-Men da periferia brasiliense – que nunca sabe bem o que fazer. “Para mim, o filme é um documentário, no sentido de que parte da etnografia de uma ficção, nunca houve um roteiro. Tudo que está ali é o registro do processo de um grupo de pessoas na Ceilândia tentando fazer um longa”, afirmou Queirós, referindo-se ao Ceicine, coletivo com o qual realizou seus trabalhos anteriores, “Branco Sai, Preto Fica” e “A Cidade É uma Só?”.
Com isso, “Era Uma Vez” se torna mais um filme recente que tenta encontrar uma forma de responder ao cenário político atual em meio à inércia social da população, sem nunca conseguir. O longa é claramente demarcado por trechos do áudio dos discursos de Dilma no Senado, no início; dos votos dos deputados no Congresso, no meio; e da posse de Temer, no final. Só que, em vez de imaginar um levante ou uma resposta a isso, ele se contenta em retratar uma incômoda inércia, que pode ou não ser a preparação para essa reação.
“A gente tem noção de que perdeu. Se não tiver, não tem como avançar. O exército já nasce imobilizado, perdido. Para onde vamos agora? A gente estava envolvido nesse bolo todo”, reflete o diretor. Queirós, no entanto, não faz essa pergunta de forma realista, mas sim pela chave da ficção científica. Com um orçamento de apenas R$ 350 mil, “Era Uma Vez” faz excelente uso do som e da direção de arte para fazer da Brasília atual uma distopia bladerunneriana, construindo todo um universo e uma linguagem – bastante similar ao que o cineasta já havia feito em “Branco Sai”.
“A possibilidade de fabular é muito mais importante que o real. A realidade hoje é opressora, e as coisas são tão absurdas que a ficção científica tem o poder de deslocar a gente”, ele argumenta. O porém é que, ao fazer o retrato de uma inércia, de um impasse nunca resolvido, o longa acaba se tornando, inevitavelmente, uma diluição dos elementos estéticos do trabalho anterior de Queirós, sem o mesmo impacto narrativo. “Era Uma Vez” reutiliza vários traços característicos do cinema do diretor, mas sem dar um passo adiante e sem a mesma catarse – com uma proposta tão incômoda e provocadora quanto frustrante.
O único momento em que o filme chega próximo da potência de seu antecessor é na sequência em que usa o discurso de posse de Temer, enquanto seus protagonistas se encontram acuados em uma passarela do metrô da Ceilândia, com sons de tiros por todos os lados, como se estivessem sendo atacados. “Nosso filme não adora Dilma, ele odeia o Temer. É diferente. Somos contra o processo perverso do golpe que o levou ao poder, e usamos a voz dele como a construção sonora de algo monstruoso, tentando dialogar com o aspecto político atual dentro do cotidiano do nosso cinema”, ressalta Queirós.
O cineasta revelou que filmou muito mais material, inclusive cenas de embates e manifestações que poderiam dar ao longa um caráter bem mais energético e propositivo, mas esse filme não lhe interessava. O que ele queria com “Era Uma Vez” é questionar o papel e o poder do próprio cinema dentro do contexto atual, com cenários claustrofóbicos que lembram todos uma prisão e um sol que nunca nasce. “A gente tem que ter uma pauta política e militante sempre. Mas cinema não é publicidade, ele é essencialmente anti-Estado. E esse cinema pode enfrentar gramaticalmente alguma coisa?”, provoca.
Cinema produzido em Minas domina programação do dia
Além da pré-estreia nacional de “Era Uma Vez Brasília”, o cinema realizado em Minas é o grande destaque deste sábado na Mostra de Tiradentes. Entre curtas e longas – recentes ou nem tanto – o público terá uma boa amostra da produção do Estado.
Às 17h, a mostra Foco Minas dedica toda uma sessão a curtas locais – com destaque para o aclamado “Nada”, de Gabriel Martins, exibido no último Festival de Cannes. Logo em seguida, às 17h30, o homenageado desta edição – o ator Babu Santana – apresenta no Cine-teatro Sesi o longa “Uma Onda no Ar”, dirigido pelo cineasta Helvécio Ratton em 2002.
A primeira sessão da mostra Panorama, às 18h15, também vai contar com presença mineira, com Leonardo Amaral apresentando seu curta “A Barca do Sol”. E às 20h, acontece uma das sessões mais aguardadas da mostra: depois de dezenas de festivais internacionais e cinco Candangos em Brasília (incluindo melhor filme segundo os júris oficial e da crítica), “Arábia” será exibido no Cine-Tenda. Com a atuação antológica de Aristides de Sousa, o roteiro emocionante dos diretores Affonso Uchoa e João Dumans, e a deliciosa trilha com Maria Bethânia e Steven Van Zandt, estar em Tiradentes neste sábado e perder o longa é apenas impensável.
O Tempo
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