sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A frase ‘não há nada tão ruim que não possa piorar’ parece brasileira

O TEMPO

Acílio Lara Resende




PUBLICADO EM 25/01/18 - 03h00
A frase que dá título a estas linhas tem cara de ser brasileira, mas há quem diga que se trata de um provérbio inglês. Bem utilizada, pode nos servir no dia a dia para combater (ou acordar?) o desespero, que vai tomando conta de muitos de nós. Pois veja, leitor: Fernando Collor de Melo, em seu Estado natal e diante da tropa que o elegeu senador por Alagoas, no final da semana passada, anunciou sua candidatura à Presidência da República pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC) nas eleições do dia 7 de outubro deste ano. Quando imaginava que poderia ficar livre de alguns ex-presidentes (não preciso citar nomes, pois você os conhece de cor e salteado), dou de cara com mais essa: está de volta o caçador de marajás! O país está precisado de um bom banho de descarrego, embora, pessoalmente, eu não acredite nisso…
Collor e sua ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo, que (imagine, leitor!) foi casada com o genial Chico Anysio e ainda mereceu um livro do saudoso Fernando Sabino (todos nós temos o direito de cometer pequenos erros), como o país todo sabe, fizeram o diabo contra milhões de brasileiros. Mas ninguém – a não ser eu, a mãe dos meus filhos e eles próprios – tem a mais distante ideia do que fizeram a mim, pessoalmente (perdoe-me pela autorreferência). Se não fosse uma juíza de Belo Horizonte (que exigiu declaração assinada de próprio punho), não teria condições de arcar com o tratamento da doença grave que acometera minha mulher, que, enfim, depois de anos de muita dor e sofrimento, a levou a falecer. O que recebera pelos 23 anos de trabalhos prestados ao “Jornal do Brasil” foram simplesmente subtraídos pelos dois. Nunca imaginei que isso pudesse ocorrer em nosso país.
Collor desafiou não só a Justiça, mas o país inteiro.
De Dutra para cá, que governou de 1946 a 1951, passando por Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz (interino), Nereu Ramos (interino), Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ranieri Mazzilli (interino duas vezes), Jango, Castello Branco, Costa e Silva, Junta Militar, Médici, Geisel, Figueiredo, Tancredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique (duas vezes), Lula (duas vezes), Dilma (duas vezes, impedida antes de completar o segundo mandato) e Temer, vi, como se fosse num filme de terror, a partir dos 11 anos, este país se transfigurar.
O país do patrimonialismo e do jeitinho, que nos parecia bem mais cordial do que era, com preconceitos soterrados pelas próprias vítimas, no qual vivi minha infância e adolescência, parecia mais ameno, e de fato o era. O ódio já podia existir, mas não era comum. Os políticos procuravam – não todos, obviamente – se tornar “homens públicos”, voltados para a prestação do desmoralizado bem comum.
Já tivemos tempos melhores e, também, nos Três Poderes, que são a base estrutural do regime democrático, homens e mulheres melhores, mesmo apesar da famosa declaração do embaixador Oswaldo Aranha, feita antes de ser ministro da Fazenda, em 1933, de que “o Brasil é um deserto de homens e de ideias”. Não acho justa a frase. Na verdade, não foi ela que o tornou nosso grande embaixador. De todo modo, não é fácil identificar as razões que levaram o país a se transfigurar, a mudar não só sua feição cordial, mas seu próprio caráter.
Espero que, a partir do julgamento do ex-presidente Lula (escrevo estas linhas dois dias antes), o Brasil se conscientize da inteligência que tem e tente remodelar, democraticamente, seu caráter.

Essa seria, com certeza, sua maior transfiguração!
O Tempo

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