O cenário de instabilidade e desabastecimento provocado pela greve dos caminhoneiros fortalece dois discursos eleitorais, segundo cientistas políticos. O grande beneficiado é Jair Bolsonaro (PSL), que se coloca como um candidato antissistema que vai colocar “ordem na política brasileira”. Porém, na parte econômica, quem sai ganhando é a esquerda, que poderá colocar a culpa da crise na cartilha liberal adotada pelo presidente Michel Temer (MDB) e que afetou a política de preços da Petrobras.
Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Paulo Figueira Leal, quem mais sai perdendo com esse crise são os candidatos que estão no campo político mais próximo de Temer e terão dificuldade de fazer esse afastamento diante do eleitor. Nessa situação está Henrique Meirelles (MDB), que é o candidato do presidente, e Geraldo Alckmin (PSDB), já que os tucanos fizeram parte do atual governo. “Está mais óbvio quem perde. Um governo que já tinha índices indigentes, com essa crise acaba com qualquer possibilidade de um candidato do campo governista querer proximidade com o presidente Michel Temer. Fica claro que o Temer é um cadáver insepulto que só vai tirar votos”, disse.
Do lado de quem se dá bem, o cientista político destaca que a extrema direita é quem mais sai fortalecida nesse cenário. “Não é gratuito que o Bolsonaro seja tão bem aceito em alguns setores dos caminhoneiros, que haja tanta demanda por intervenção militar. Em um cenário de desordem, (ele que se apresenta como) aquele que apresenta um discurso como se ele fosse o instrumento que vá garantir a ordem. Então quanto mais caos, mais essa narrativa vai pegar”, avalia Leal.
Porém, a esquerda também terá um ganho significativo, pelo menos no debate econômico. Na avaliação do acadêmico, a crise revelou um fracasso da política liberal adotada na Petrobras.
“Essa crise deslegitima a narrativa do MDB e do PSDB de que uma política neoliberal, mais voltada aos interesses do mercado, seria a solução para a economia. Com esse fracasso da política de preços da Petrobras, será muito difícil defender esse pensamento em uma campanha. Por outro lado, é inviável para Meirelles e até mesmo para o PSDB se afastar dessa pauta. Até porque o Pedro Parente (presidente da Petrobras) está muito ligado aos tucanos”, afirmou. Dentre os candidatos da esquerda, Ciro Gomes (PDT) é quem teria a maior capacidade para explorar a questão econômica, segundo o pesquisador.
Já o cientista político Antonio Flávio Testa afirma que, para além do cenário de caos que poderá beneficiar Bolsonaro, o candidato do PSL ainda demonstra ter uma fidelidade em suas intenções de voto que ainda não foi abalada por fatores externos. “Quem ganha é o Bolsonaro. Ele permanece estável com cerca de 20% das intenções de voto. Enquanto isso, o Alckmin não deslancha, o Ciro Gomes não deslancha. E o Bolsonaro é popular nos dois sentidos. Para um candidato, é ótimo que todos estejam falando dele, seja mal ou bem”, disse.
Testa concorda com Figueira Leal, de que Meirelles, mesmo que se distancie de Temer, contará com o desgaste de ser o candidato do mercado financeiro.
O que disseram
Ciro Gomes (PDT). “(A paralisação) é mais legítima a partir do acordo do que antes. Porque agora trata-se de uma greve de gente trabalhadora, sofrida.”
Geraldo Alckmin (PSDB). “Os caminhoneiros já deram seu recado. O governo atendeu o que podia. Agora é hora de restabelecermos o transporte. Hospitais precisam de remédios, e a população precisa de alimentos.”
Henrique Meirelles (MDB). “Esta greve estava já causando a desativação de linhas de produção de indústrias, isso estava começando a prejudicar seriamente a atividade econômica.”
Jair Bolsonaro (PSL). “A paralisação precisa acabar. Não interessa a mim, ao Brasil, o caos.”
Impacto no pleito do Estado deve ser nulo
Nas eleições estaduais e para os cargos do Legislativo, o impacto da greve dos caminhoneiros deve ser mínimo, segundo os cientistas políticos. A avaliação é a de que o debate em torno da crise de desabastecimento foi nacionalizado, sem criar desgastes relevantes no âmbito estadual ou até mesmo entre os parlamentares.
De acordo com o cientista político e professor da UFJF Paulo Figueira Leal, o voto para deputado e senador segue uma lógica bem diferente dos cargos do Executivo. “Nesse caso pesa muito mais a influência das lideranças regionais. Geralmente os eleitores votam naquele que é o indicado do prefeito da cidade. Os eleitores não estão avaliando o posicionamento dos parlamentares diante da crise para definir seu voto”, disse.
O cientista político Antônio Flávio Testa afirma ainda que essa expectativa de renovação do Congresso não será concretizada. “Teremos um Congresso muito parecido com o que temos hoje. Muito dificilmente as lideranças que hoje representam os principais partidos não conseguirão ser eleitos”, afirmou.
Já no caso dos governadores, Paulo Figueira Leal diz que as discussões sobre a crise ficaram concentradas nas questões nacionais. “O ponto central da manifestação dos caminhoneiros é nacional. Tem relação com os preços da Petrobras e as políticas do governo federal. Você pode ter um ou outro governador que tenha tido uma postura mais proativa, mas nada significativo”, conclui.
Aliados
Ilesos. Na avaliação dos cientistas políticos, nem mesmo os deputados do centrão que se desgastaram defendendo medidas impopulares de Temer devem sofrer impactos eleitorais.
O Tempo
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