Relógios, máquinas de lavar... Ou uma prosaica calça jeans. “Pequena Música”, nova incursão de Adriana Lisboa no mercado editorial, partiu de uma série de poemas inspirados em objetos do cotidiano, muitos dos quais passam despercebidos aos olhos na correria do dia a dia. No caso, a escolha da autora reverbera uma espécie de “homenagem ao pequeno”. “Ao modesto, ao silencioso”, acrescenta ela, que chega a Belo Horizonte nesta terça-feira (15) para lançá-lo dentro do projeto Sempre um Papo, a partir das 19h30, no auditório da Cemig, com entrada gratuita.
Chancelado pela Iluminuras, o livro apresenta ao público poemas escritos especialmente para a obra – à exceção de “Equador”, que, na verdade, foi escrito para um livro anterior e acabou ficando de fora. “Resolvi incluí-lo agora por achar que se encaixava bem. E por ter feito as pazes com ele”, brinca a carioca, que já há 11 anos reside em Austin, nos Estados Unidos.
Sobre o processo criativo de “Pequena Música”, ela conta que, detectada a inspiração nos já citados objetos do cotidiano, a ideia do silêncio (“como valor positivo”) começou a ganhar corpo. “Voltei à obra de (o compositor) John Cage, que me acompanha desde a adolescência, e quis fazer do livro um apanhado de recortes do silêncio e do ruído do mundo, em vários sentidos. É um trabalho bastante voltado para as experiências do cotidiano, mesmo quando se debruça sobre temas como Fukushima (referindo-se à central nuclear japonesa que foi epicentro do grave acidente de 2011) ou as viúvas da Índia. O título, aliás, vem de um dos magníficos ‘Poemas escritos na Índia’, de Cecilia Meireles”, revela.
Todos os poemas da obra partiram, de certo modo, da observação do cotidiano. “O primeiro deles, ‘Silêncio’, tem a epígrafe do poeta argentino Hugo Mujica, que é monge trapista. Estive lendo e pesquisando a obra dele e deparei-me com a entrevista de um trapista brasileiro ao Jô Soares, que me parecia algo quase inimaginável – daí surgiu esse poema”, explica.
Instada a falar sobre algum outro poema, escolhido a seu bel prazer, ela opta por “Relógios”, que, narra, veio da memória do avô, relojoeiro. “A oficina dele era, para mim, uma espécie de caverna mágica, na qual eu adorava entrar”, rememora. E se a conversa se envereda pelo âmbito das reminiscências, Adriana acrescenta que “Pequena Música” também agrega poemas que brotaram espontaneamente em torno da memória de sua mãe, falecida em 2014. “A uma Calça Jeans” é um exemplo. “Minha mãe costurava muito bem, e a vida inteira recorri a ela para ajustar minhas roupas. Depois de perdê-la, um dia me vi às voltas com a bainha de uma calça, que podia levar a uma costureira profissional, mas me parecia quase uma heresia fazer isso. A minha falta de habilidade para esse tipo de trabalho é impressionante. Daí veio o poema, que, depois, um amigo escritor, um dos primeiros leitores do livro, disse ter provocado nele um acesso de choro – ele nem sabia me dizer muito bem por quê”, conta.
Descarrilamento. Indagada sobre o motivo de estar morando nos EUA, Adriana Lisboa revela que a mudança, na verdade, se deu em função do trabalho do marido. “Quando nos conhecemos, ele já morava aqui, e eu, no Rio – mas era mais fácil eu vir para os EUA do que ele voltar para o Brasil. Hoje somos cidadãos dos dois países, e a crise ética e política em ambos nos deixa estarrecidos. Parecíamos caminhar na direção de sociedades quem sabe um pouco mais justas, e agora esse descarrilamento radical do bonde aqui e aí deixa a gente bem desesperançoso. O Brasil está copiando a ‘matriz’ no que ela tem de pior”, avalia a autora, que, no entanto, ressalta a função da poesia em tempos áridos. “A poesia não é um antídoto ao mundo – é, antes, uma maneira de estar presente, de estar no olho do furacão. Um testemunho à perplexidade, à beleza, à raiva, ao medo, ao amor”, conclui.
Agenda
O quê. Sempre um Papo com Adriana Lisboa
Quando. Terça (15), às 19h30
Onde. Auditório da Cemig (rua Alvarenga Peixoto, 1.220, Santo Agostinho)
Quanto. Entrada franca
O Tempo
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