O TEMPO
Acílio Lara Resende
PUBLICADO EM 17/05/18 - 03h00
A ditadura militar imposta ao país no triste dia 31 de março de 1964, com o apoio decisivo de inúmeros políticos e, com certeza, de parte significativa da sociedade civil, incluídos alguns setores da imprensa, não tem mais como esconder sua face verdadeira. Caiu por terra a falácia de que a ditadura (seja de direita ou de esquerda) pode ser branda ou até mesmo boa ou virtuosa. Toda ditadura é intrinsecamente má, além de imposta, sempre e irremediavelmente, pela brutalidade.
Que, depois dessa revelação, não paire mais nenhuma dúvida sobre isso, assim como não se pode ter mais dúvida sobre as verdadeiras intenções de alguns grupos armados que combateram o regime instalado em 1964, como aquele que pertenceu, entre outros, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses grupos, na verdade, lutavam em favor de outra ditadura, jamais pela restauração do regime democrático e, por via de consequência, da liberdade – o maior bem do ser humano.
Eis o fato: o pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas, revelou há dias o que, para ele, é o “documento mais perturbador” que encontrou em 20 anos de intenso trabalho de pesquisa. Trata-se, leitor, de um memorando do ex-diretor da CIA William Colby para o então secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, datado de 11 de abril de 1974. Esse memorando confirma que o então presidente Ernesto Geisel, que imaginou passar à história como responsável pela abertura política, sabia da execução de 104 brasileiros durante o governo Emílio Médici. O texto contém, também, a afirmação de que Geisel autorizou a continuação das execuções, como política de Estado, e sempre com o apoio do chefe do SNI na época, general João Baptista de Figueiredo, que, depois, o sucederia na Presidência da República.
Essa revelação precisa atingir depressa os ingênuos remanescentes que, felizmente, imagino eu, são diminutos. Eles ainda propagam até hoje que a ditadura militar, que durou 21 anos, trouxe ética, ordem e paz à família brasileira, além de desenvolvimento ao país. O documento revela, igualmente, que, ao lado das covardes execuções sumárias, admitiu-se a prática de tortura como coisa natural ou comum.
Parece piada ou brincadeira de mau gosto, mas vê-se que, infelizmente, há procedência na afirmação, comum entre alguns historiadores, de que nossa história continua a ser escrita pelos norte-americanos. A afirmação não deixa de ser uma vergonha para todos nós.
Que essa revelação de agora, descoberta por um brasileiro, buscada em documentos nos EUA, sirva de lição a nossos comandantes militares, que se negam até hoje a admitir uma verdade histórica. Faltam-lhes autocrítica e algumas doses de humildade. Não existe mais dúvida sobre a frase dita pelo general Ernesto Geisel ao general Dale Coutinho, quando este foi convidado para assumir o Ministério do Exército: “Esse negócio de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”. Essa frase, segundo o jornalista Elio Gaspari, foi a resposta que Geisel deu quando ouviu de Coutinho: que “O negócio melhorou muito; agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar. Começamos a matar”, repetiu com tranquilidade.
Não sei quem será o presidente da República no ano que vem. Não tenho bola de cristal. Preocupa-me muitíssimo, porém, o entusiasmo que se espalha em favor da candidatura de Jair Bolsonaro. Tenho medo do que pensa e do que não pensa esse eterno capitão.
O Tempo
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