quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Um problema desde sempre

Os 40 milhões de m³ de lama que causaram a tragédia em Mariana, na região Central de Minas, não surgiram da noite para o dia. Foram acumulados durante seis anos de operação da barragem de Fundão. Da mesma forma, os problemas da estrutura também não apareceram de surpresa no dia 5 de novembro de 2015, data do maior desastre ambiental do país. Apesar dos laudos de estabilidade, Fundão teve problemas estruturais desde o início de sua operação. Uma dor de cabeça que perseguiu os diretores da Samarco, que optaram, segundo o Ministério Público Federal (MPF), por aumentar a produção ao mesmo tempo em que buscavam uma solução de segurança, que nunca chegou. É o que O TEMPO apresenta nesta segunda reportagem da série sobre um ano do desastre.

As 272 páginas da denúncia do MPF trazem detalhes dos problemas estruturais que perseguiram a barragem. Há também dados dos recordes de produção e lucro da Samarco, controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, no mesmo período. Fundão entrou em operação em dezembro de 2008 e já nasceu com falhas. Em abril de 2009, uma erosão grave indicou que os drenos foram mal construídos. A barragem ficou sem receber rejeitos até março de 2010, e seu projeto de drenagem foi alterado.

O retorno da operação de Fundão aconteceu com o projeto Terceira Pelotização, que elevou a produção de 14,1 milhões para 21,7 milhões de toneladas de minério de ferro exportadas por ano. Para produzir mais, precisou-se de mais espaço para os rejeitos, e os alteamentos de Fundão ocorreram em um ritmo acima do recomendado. Em um ano e meio, o dique 1 foi elevado em 18 m, três vezes o limite de alteamento determinado pelo manual de operação da barragem, de 6 m.

Com a expansão, Fundão começou a interferir na pilha de estéril da Vale, que ficava ao lado. A Samarco decidiu fazer um recuo no dique 1, contrariando a sugestão do projetista da barragem, o engenheiro Pimenta Ávila, e sem informar o órgão de especialistas que toda mineradora tem e que atua na orientação de decisões técnicas, chamado de ITRB. Um engenheiro recém-contratado pela Samarco fez o projeto do recuo em 80 m na margem esquerda do dique 1. Em dezembro de 2012, uma cratera surgiu, e o recuo foi aumentado em mais 70 m, dessa vez sem nenhum projeto de engenharia. Nem o engenheiro da Samarco acompanhava a obra, feita pela equipe operacional da empresa.

Esse recuo foi apontado pelo MPF como a principal causa da tragédia. Um dos autores da denúncia, o procurador da República José Adércio Leite destacou que, em todos os problemas enfrentados com Fundão, a Samarco priorizou a manutenção da operação para garantir os repasses de lucros a suas controladoras. “Houve um sequestro da segurança em busca do lucro. Foi uma decisão deliberada de se priorizar os lucros em detrimento da segurança, com ‘esparadrapos estruturais’”, ressaltou.

Apenas em abril de 2013, o recuo foi apresentado ao ITRB. O órgão, então, recomendou que a mineradora retomasse o eixo do dique 1 para a posição original do projeto, o que nunca foi cumprido pela mineradora. Em meados de 2014, a própria equipe da Samarco encontrou trincas no recuo e constatou a movimentação do maciço de terra. Pimenta Ávila foi novamente chamado e alertou sobre os riscos de liquefação. O ITRB mais uma vez orientou que o eixo do dique voltasse à posição inicial.

Para o MPF, esse foi um sinal de pré-ruptura da barragem. Mas, mesmo diante do problema, o principal assunto da reunião do Conselho Administrativo da empresa foi a redução dos custos para se manter o crescimento dos lucros diante de um cenário de redução do preço do minério.

Um geólogo que trabalhou com a mineradora e pediu anonimato foi taxativo: a tragédia poderia ter sido evitada. “A Samarco sempre foi boa empresa, a mais séria. Mas, de dez anos para cá, um grupo novo assumiu com o propósito de maximizar ganho e reduzir custo. Não era todo mundo que compactuava, muitos geógrafos não eram a favor disso. Era decisão de diretoria”, concluiu.


DIA DO DESASTRE

Apenas dois piezômetros mediam a estabilidade

Dos 12 piezômetros que deveriam fazer as medições de condições de estabilidade no recuo da margem esquerda de Fundão, apenas dois estavam no local no dia do rompimento da barragem. Além disso, na semana da tragédia, a Samarco não realizou medições de estabilidade, e os equipamentos estavam em manutenção após apresentarem falhas.

Os piêzometros foram retirados do local em de março de 2015 e passaram a ser utilizados na barragem de Santarém, reduzindo os dados transmitidos sobre a estrutura mais instável da barragem, que já havia apresentado trincas e uma série de problemas.

No dia do desastre, os piêzometros de mediação automática não estavam funcionando, segundo um funcionário da Samarco ouvido na denúncia do Ministério Público Federal. “Conforme afirmado por Wanderson Silvério Silva, ‘não tinha nada mais registrado no sistema automatizado do piezômetro; que a MGA, empresa que dá manutenção nos instrumentos e nas redes, estava dando manutenção nos instrumentos nos dias 3, 4, e 5; que esse problema começou em setembro e que tinha semanas em que transmitia e outras que não transmitia”, diz o texto.

Mesmo com a falha dos aparelhos de transmissão automática, na semana do rompimento, não houve a medição manual das condições de Fundão. (BM)


RECUPERAÇÃO

Pesca é proibida na Bacia do Rio Doce, em Minas


Quase um ano após o rompimento de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, que devastou o rio Doce, a pesca foi proibida no lado mineiro da bacia desde Ponte Nova, na Zona da Mata, até Aimorés, na região do Rio Doce. A medida foi definida na portaria 78 do Instituto Estadual de Florestas (IEF) publicada na edição de ontem do Diário Oficial “Minas Gerais”. Na foz, no Espírito Santo, a pesca já estava suspensa desde fevereiro, por decisão do Ministério Público Federal (MPF).

Diretora de Proteção à Fauna do IEF, Sônia Cordebelle de Almeida, explicou que o objetivo da proibição na parte mineira do bacia é permitir a recuperação do rio. “A ideia é fazer a recomposição de toda a comunidade aquática, da cadeia alimentar das espécies, pensando tanto nos peixes ameaçados de extinção, quanto nos endêmicos”, explicou.

A portaria determina o fim da pesca tanto na calha do rio quanto em seis afluentes. O IEF informou que a retomada da atividade ainda não tem data e vai depender de estudos técnicos e científicos que vão avaliar a situação do rio e da fauna aquática.

Para os pescadores pouca coisa muda com a decisão, já que, desde o rompimento da barragem, eles não pescam na bacia do rio Doce. “A gente já tinha uma recomendação para não pescar nem na calha nem nos afluentes para alimentação. Mesmo que pesquemos, ninguém confia em comer”, afirma Reginaldo Bento dos Santos, 39, de Pedra Corrida, distrito de Periquito, no Vale do Aço. (Natália Oliveira)

O Tempo

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