Não se trata exatamente de teatro documentário, mas “Rua da Camélias”, espetáculo que faz sua estreia neste sábado (5), no hotel Imperial Palace, leva para a cena o cotidiano e histórias das trabalhadoras de um dos maiores polos de prostituição do Brasil, a rua Guaicurus.
A região ganhou os olhos de Gabriela Luque, diretora do espetáculo, quando ela percebeu o movimento despertado, nas redes sociais, por alguns eventos que acontecem na Guaicurus. “São festas realizadas nos hoteis e na rua, como a Virada Cultural e o Carnaval, que levam uma multidão para aquele espaço. Isso me instigou a pensar na relação desses eventos e seus frequentadores com as mulheres que trabalham ali”, afirma Gabriela.
Durante as pesquisas, o livro “Hilda Furacão”, de Roberto Drummond, tornou-se referência. “Comecei a pensar na mítica em torno da Hilda. Tínhamos como disparador a busca por descobrir quem são as ‘Hildas’ dos anos 2000”, conta.
Para se aproximar do dia a dia da região, o elenco da peça passou a visitar alguns dos mais de 20 hoteis das imediações destinados à prostituição feminina. “Tivemos contato com uma realidade que nem fazíamos ideia. Descobrimos que, por dia, cerca de 3.000 mulheres alugam quartos na Guaicurus. Vem pessoas de toda parte do país para se prostituir em Belo Horizonte. Encontramos mulheres muito comuns, que não têm nada do estereótipo e do imaginário que se tem da prostituta”, diz Gabriela.
As conversas não partiam de nenhuma pergunta predefinida. Eram as prostitutas que guiavam o papo e compartilhavam com o elenco o que desejavam. “Entendemos que estamos falando de um recorte da prostituição. Estamos falando das mulheres da Guaicurus e ali encontramos uma gama de histórias muito diferentes. Não nos importava procurar verdades nos discursos. O importante era ouvir o que elas estavam dispostas a contar”, explica.
De tudo o que ouviram e conheceram, as atrizes propuseram cenas com os depoimentos que mais as tocaram. Também das narrativas, a dramaturgia, construída por Daniel Toledo e Gabriela Figueiredo, optou por transitar entre o real e a ficção, a fantasia e a realidade.
Edificação. No tensionamento do teatro e da vida, a peça leva o público à experiência de adentrar um espaço que já foi abrigo para a prostituição. O Imperial Palace, onde o trabalho será apresentado, pertence à Santa Casa. Hoje, a edificação se encontra fechada, despercebida pelas autoridades patrimoniais e culturais, apesar de sua relevância histórica.
O prédio já funcionou como sanatório e, na década de 40, Juscelino Kubitschek o transformou num hotel, inicialmente, para receber as famílias dos pacientes da Santa Casa. Com o tempo, o prédio também passou a ser utilizado pela prática da prostituição. “Era importante apresentar o espetáculo no ambiente de trabalho dessas mulheres. Voltando ao disparador da nossa pesquisa, percebemos que não existe uma relação entre os frequentadores das festas da Guaicurus e as mulheres que ali trabalham. A maioria desconsidera ser ali uma casa de prostituição porque ele passa a ser ressignificado pela festividade. E a peça faz refletir esse espaço”, comenta Gabriela.
Outro aprendizado vindo dos encontros com as prostitutas diz respeito à segregação das mulheres trans. “Elas eram impedidas de alugar quartos nos hoteis. Com a Copa do Mundo e a abertura de novos hoteis, as trans passaram a ser recebidas pelos espaços que se concentram na avenida Santos Dumont. Não podíamos ignorar a presença das trans na Guaicurus e as levamos para a cena”, afirma a diretora.
AGENDA
O quê. Espetáculo “Rua das Camélias”
Quando. Deste sábado (5) a 27 de novembro, de sexta a domingo, sempre às 20h
Onde. Hotel Imperial Palace (rua Guaicurus, 436, centro)
Quanto. R$ 30
O Tempo
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