O Tempo
LAVA JATO
Juiz critica nova lei de abuso de autoridade em primeira entrevista desde o início da operação
PUBLICADO EM 06/11/16 - 03h00
Curitiba. “O ideal seria, realmente, restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes.” A proposta é do juiz federal Sergio Moro, titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, responsável pelos julgamentos da operação Lava Jato em primeira instância. Aos 44 anos, personificação da força-tarefa que investiga esquema de corrupção, desvios e cartel na Petrobras, ele decidiu dar sua primeira entrevista como juiz da maior operação de combate à corrupção do país.
A entrevista foi concedida ao jornal “O Estado de S. Paulo” na última quinta-feira. O juiz recebeu a reportagem em seu gabinete. O espaço onde o magistrado trabalha é amplo, ornado por pilhas e pilhas de processos que lhe dão uma aparência caótica. A papelada se espalha sobre e sob a mesa. Ali, ele se mantém fiel a uma rotina que segue há 20 anos, desde que ingressou na magistratura e vestiu a toga pela primeira vez.
No gabinete, há um ambiente reservado para visitas, dois sofás e uma cadeira. A cadeira é Moro quem ocupa. Sobre uma mesinha, uma jarra de vidro com água fresca. É tudo o que ele oferece. Há algum tempo cortou o café. “Sinto pela precariedade”, disse.
Em uma hora de conversa, Moro apontou problemas na proposta da Lei de Abuso de Autoridade, defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), falou sobre o escândalo na Petrobras, alertou para o “risco à independência da magistratura”.
Acusado pelo PT de ser um algoz da sigla, o juiz afirmou que “processo é questão de prova” e acha “errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica”. Sobre atuação político-partidária avisa que não será candidato: “Não existe jamais esse risco”.
A entrevista foi concedida ao jornal “O Estado de S. Paulo” na última quinta-feira. O juiz recebeu a reportagem em seu gabinete. O espaço onde o magistrado trabalha é amplo, ornado por pilhas e pilhas de processos que lhe dão uma aparência caótica. A papelada se espalha sobre e sob a mesa. Ali, ele se mantém fiel a uma rotina que segue há 20 anos, desde que ingressou na magistratura e vestiu a toga pela primeira vez.
No gabinete, há um ambiente reservado para visitas, dois sofás e uma cadeira. A cadeira é Moro quem ocupa. Sobre uma mesinha, uma jarra de vidro com água fresca. É tudo o que ele oferece. Há algum tempo cortou o café. “Sinto pela precariedade”, disse.
Em uma hora de conversa, Moro apontou problemas na proposta da Lei de Abuso de Autoridade, defendida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), falou sobre o escândalo na Petrobras, alertou para o “risco à independência da magistratura”.
Acusado pelo PT de ser um algoz da sigla, o juiz afirmou que “processo é questão de prova” e acha “errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica”. Sobre atuação político-partidária avisa que não será candidato: “Não existe jamais esse risco”.
MINIENTREVISTA
Sergio Moro
Juiz federal responsável pela operação Lava Jato na primeira instância
Juiz federal responsável pela operação Lava Jato na primeira instância
O que o chocou mais na Lava Jato?
A própria dimensão dos fatos. Considerando os casos já julgados aqui, o que nós vimos foi um caso de corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo. O que mais me chamou a atenção, talvez tenha sido uma quase naturalização da prática da corrupção. Empresários pagavam como uma prática habitual e agentes públicos recebiam como se fosse algo também natural. Isso foi bastante perturbador.
O senhor defende a extinção do foro privilegiado?
O ministro, longe de mim querer avaliar o trabalho do Supremo, mas acho que o ministro Teori Zavascki tem feito um trabalho intenso, muito importante e relevante nessa operação. Mas existem alguns problemas estruturais, saber se o Supremo tem a capacidade, a estrutura suficiente, para atuar em tanto casos criminais. Quando se cogitou foro privilegiado, não se imaginava que iriam ter tantas investigações e tantas ações penais contra detentores de foro perante o Supremo Tribunal Federal. Uma discussão salutar é saber se isso convém que o sistema permaneça dessa forma. Eu, particularmente, acho que tem que ter uma abordagem muito pragmática. Tem o Supremo condições de enfrentar toda essa gama de casos? Há uma série de dúvidas. Não que o Supremo não seja eficiente, mas é um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada para comportar tantos casos. O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos casos constitucionais relevantes e não pode se transformar simplesmente numa Corte criminal. Na minha opinião, o ideal seria realmente restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes e retirar esse privilégio de um bom número de autoridades hoje contempladas.
O Congresso tem sido refratário à Lava Jato. Publicamente, há manifestações de senadores contrários. Como o senhor vê essa reação?
Acho que, com o tempo, o Congresso vai perceber que havia um quadro equivocado de relação entre o público e o privado e que é necessário mudar e que ele tem um papel importante nessa mudança. Essa mesma movimentação para aprovação do projeto das 10 Medidas (contra a corrupção), senão integralmente, mas pelo menos parcialmente, é um sinal de esperança no Congresso. As pessoas precisam ter fé na democracia e isso significativa ter fé nos seus representantes eleitos. Acreditar que os eleitos vão tomar as melhores decisões para o país.
A Lei do Abuso preocupa o senhor da forma como foi encaminhada?
Tem dois problemas (a proposta). Uma questão do momento, que é um momento um pouco estranho para se discutir esse tema. E o problema da redação do projeto. Ninguém é contra que uma autoridade seja responsabilizada caso abuse do seu poder. Mas a redação do projeto tem algumas coisas bastantes preocupantes. Por exemplo, a previsão de algo como ‘promover a ação penal sem justa causa’. Bem, qualquer ação penal tem que ter justa causa. O problema é que direito não é propriamente matemática. Pessoas razoáveis podem divergir se está presente ou não a justa causa para oferecer uma ação penal. O que isso vai significar na prática? O Ministério Público, por exemplo, oferece uma denúncia afirmando que tem justa causa, isso vai a juízo, o juiz tem que receber ou não a denúncia, se entender que é justa causa, e eventualmente o juiz pode discordar, ‘ah… não tem justa causa’, e rejeitar a denúncia. Pela redação do projeto, em princípio, isso possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade contra o procurador, ou o promotor. A forma como está redigido (o texto) é muito ruim.
Querem intimidar?
No momento (de propositura) desse projeto e com essa redação, se pretenderem aprovar e se não colocarem salvaguardas, vai ter esse efeito prático.
O senhor foi ameaçado alguma vez?
Prefiro não falar.
Como o senhor viu os protestos das ruas?
Acredito que seja um amadurecimento progressivo da democracia brasileira.
O senhor vai mandar prender o Lula?
Esse tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos pendentes.
A Lava Jato vai poupar PMDB e PSDB?
Processo é uma questão de prova. A atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés político-partidário. O fato é que, contra quem tenha aparecido provas, tem sido tomadas as providências pertinentes.
A Lava Jato vai acabar com a corrupção no Brasil?
Não. Não existe um fato ou uma pessoa que vai salvar o país. Agora, um caso como esse da Lava Jato pode auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia.
O senhor já votou no Lula?
É o tipo da resposta que eu não posso dar, porque, acho que o mundo da Justiça e o mundo da política não devem se misturar.
Alguma delação ou processo criminal tem o poder de parar o país?
Não. O que traz instabilidade é a corrupção e não o enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas sim na doença.
O senhor sairia candidato a um cargo eletivo? Ou entraria para a política?
Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Não existe jamais esse risco.
A própria dimensão dos fatos. Considerando os casos já julgados aqui, o que nós vimos foi um caso de corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo. O que mais me chamou a atenção, talvez tenha sido uma quase naturalização da prática da corrupção. Empresários pagavam como uma prática habitual e agentes públicos recebiam como se fosse algo também natural. Isso foi bastante perturbador.
O senhor defende a extinção do foro privilegiado?
O ministro, longe de mim querer avaliar o trabalho do Supremo, mas acho que o ministro Teori Zavascki tem feito um trabalho intenso, muito importante e relevante nessa operação. Mas existem alguns problemas estruturais, saber se o Supremo tem a capacidade, a estrutura suficiente, para atuar em tanto casos criminais. Quando se cogitou foro privilegiado, não se imaginava que iriam ter tantas investigações e tantas ações penais contra detentores de foro perante o Supremo Tribunal Federal. Uma discussão salutar é saber se isso convém que o sistema permaneça dessa forma. Eu, particularmente, acho que tem que ter uma abordagem muito pragmática. Tem o Supremo condições de enfrentar toda essa gama de casos? Há uma série de dúvidas. Não que o Supremo não seja eficiente, mas é um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada para comportar tantos casos. O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos casos constitucionais relevantes e não pode se transformar simplesmente numa Corte criminal. Na minha opinião, o ideal seria realmente restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes e retirar esse privilégio de um bom número de autoridades hoje contempladas.
O Congresso tem sido refratário à Lava Jato. Publicamente, há manifestações de senadores contrários. Como o senhor vê essa reação?
Acho que, com o tempo, o Congresso vai perceber que havia um quadro equivocado de relação entre o público e o privado e que é necessário mudar e que ele tem um papel importante nessa mudança. Essa mesma movimentação para aprovação do projeto das 10 Medidas (contra a corrupção), senão integralmente, mas pelo menos parcialmente, é um sinal de esperança no Congresso. As pessoas precisam ter fé na democracia e isso significativa ter fé nos seus representantes eleitos. Acreditar que os eleitos vão tomar as melhores decisões para o país.
A Lei do Abuso preocupa o senhor da forma como foi encaminhada?
Tem dois problemas (a proposta). Uma questão do momento, que é um momento um pouco estranho para se discutir esse tema. E o problema da redação do projeto. Ninguém é contra que uma autoridade seja responsabilizada caso abuse do seu poder. Mas a redação do projeto tem algumas coisas bastantes preocupantes. Por exemplo, a previsão de algo como ‘promover a ação penal sem justa causa’. Bem, qualquer ação penal tem que ter justa causa. O problema é que direito não é propriamente matemática. Pessoas razoáveis podem divergir se está presente ou não a justa causa para oferecer uma ação penal. O que isso vai significar na prática? O Ministério Público, por exemplo, oferece uma denúncia afirmando que tem justa causa, isso vai a juízo, o juiz tem que receber ou não a denúncia, se entender que é justa causa, e eventualmente o juiz pode discordar, ‘ah… não tem justa causa’, e rejeitar a denúncia. Pela redação do projeto, em princípio, isso possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade contra o procurador, ou o promotor. A forma como está redigido (o texto) é muito ruim.
Querem intimidar?
No momento (de propositura) desse projeto e com essa redação, se pretenderem aprovar e se não colocarem salvaguardas, vai ter esse efeito prático.
O senhor foi ameaçado alguma vez?
Prefiro não falar.
Como o senhor viu os protestos das ruas?
Acredito que seja um amadurecimento progressivo da democracia brasileira.
O senhor vai mandar prender o Lula?
Esse tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos pendentes.
A Lava Jato vai poupar PMDB e PSDB?
Processo é uma questão de prova. A atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés político-partidário. O fato é que, contra quem tenha aparecido provas, tem sido tomadas as providências pertinentes.
A Lava Jato vai acabar com a corrupção no Brasil?
Não. Não existe um fato ou uma pessoa que vai salvar o país. Agora, um caso como esse da Lava Jato pode auxiliar a melhorar a qualidade da nossa democracia.
O senhor já votou no Lula?
É o tipo da resposta que eu não posso dar, porque, acho que o mundo da Justiça e o mundo da política não devem se misturar.
Alguma delação ou processo criminal tem o poder de parar o país?
Não. O que traz instabilidade é a corrupção e não o enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas sim na doença.
O senhor sairia candidato a um cargo eletivo? Ou entraria para a política?
Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Não existe jamais esse risco.
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