Tutela de evidência nos recursos
Amadeu Roberto Garrido de Paula
Vivemos por décadas sob a vigência de um Código de Processo Civil vindo à luz sob o regime político de exceção. Um código padrasto, em que não só a parte sofredora de dano em seu direito subjetivo, como também o juiz, tinham ciência e consciência de que a integridade do direito deveria ser realizada imediatamente. Mas havia que aguardar-se o esgotamento das formas. Enquanto isso, o direito, que aflora ao limiar das consciências justas, permanece em estado latente. A consequência é uma frustração de seu titular, durante o período de espera. A frustração é uma agressão extremamente negativa ao estado psíquico das pessoas. Chamaram-me atenção, ao percorrer estradas da Escócia, avisos às margens das estradas com o seguinte teor: "Cuidado. A frustração pode gerar acidentes graves". Os alquimistas diziam que Deus, ao punir os "culpados" no inferno, não os imergia em caldeiras ardentes; simplesmente deixava as almas esperando...
A maior virtude de nosso novo Código de Processo Civil é a efetiva democratização do processo. O fenômeno está presente na maioria dos dispositivos que não tem correspondentes no código revogado. Para se ter uma ideia do sentido opressivo do código anterior, não foram poucos os casos em que recursos não foram conhecidos, por desertos, porquanto a guia de recolhimento se apresentava inferior ao valor devido, por um real ou até mesmo centavos, sem oportunizar-se ao recorrente prazo para complementá-la (TST AIRR 356-58-2012.5.05.0018, Min.
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7a. Turma, 11/11/2016, julgado sob a égide do CPC de 1973). No âmbito do TST, vários outros precedentes anteriores confirmam, de modo ainda mais específico, a esdruxularia antes narrada, precisamente sob jurisdição em que o princípio da instrumentalidade das formas deveria ter maior colorido. No âmbito do C. STJ, a jurisprudência se firmou no sentido da possibilidade de complementação, porém desde que a guia juntada apresentasse transparência e legibilidade manifesta. Enfim, confirmava-se inteiramente o repto de Liebman ("A forma é necessária, o formalismo deforma"). A opressão formalista foi superada pelo atual código democrático e da cidadania.
Neste comento, como prediz seu título, enfocamos a novel tutela de evidência nos recursos. Trata-se, como é de curial sabença, de amparo incontinenti, independentemente de "periculum in mora"; basta que o direito salte aos olhos, grite dos autos. Se houver equívoco do magistrado, a reversibilidade produzirá seus efeitos saneadores, quando da sentença de mérito, como é comum do sistema das liminares "ab initio" e "inaudita altera pars".
O pedido é dirigido ao Relator, desembargador ou ministro. Os autos, em geral, já estão fartos do necessário, alegações dialógicas, documentos, pronunciamentos interlocutórios, razões finais e a sentença. Esta, por sua vez, deve ter evidenciada a necessidade de reforma. Suponha-se a hipótese da declaração de nulidade de um ato jurídico, seu desfazimento, no principal, porém mantidos íntegros seus efeitos secundários. A reforma é mero ponto de lógica, considerada a eficácia "ex tunc" da decisão declaratória, diversamente da decisão constitutiva na hipótese de simples anulabilidade e eficácia "ex nunc". Trata-se, para Kelsen, de anulabilidade "extrema", de efeitos retroativos. Nosso direito é elementar ao distinguir ambas as hipóteses. A declaração de nulidade significa que o ato foi "nenhum" (na linguagem das ordenações reinóis); em outros termos, "inexistente", em ordem tal que as coisas devem ser integralmente repostas ao "status quo ante". Segundo o novo CPC (art. 932, II), ao contemplar pedido de tutela endereçado ao relator, nos recursos ou processos de competência originária do Tribunal, conclui-se que ela é plenamente admissível e realiza o ideal da celeridade da Justiça, previsto na Emenda Constitucional nº 45/2004 e cristalizado no elenco dos direitos e garantias individuais (CF, art. 5º).
O exame dos pressupostos da tutela faz-se mais seguro no pórtico dos recursos do que no limiar da causa, dada sua maturação.
Trata-se de importantíssima inovação, densificadora de preceito constitucional, entronizada em nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
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