segunda-feira, 7 de maio de 2018

Vulcão cíclico

Amadeu Garrido de Paula

Fomos às ruas, no governo Dilma. O Brasil se quebrava, como ainda se estilhaça. A esquerda jamais vira a "massa" manifestar-se tão exuberantemente, por conta própria. Afinal, ela é a "guia universal dos povos". Titubeou, inicialmente; ou se amalgamaria a tão gigantescas e continentais manifestações, ou se tornaria poeira. Optou por começar suas próprias aparições nas ruas, bem identificadas suas cores rubras. O verde-amarelo não fora conduzido pela direita, de resto politicamente incapaz de fazê-lo. O povo plantou as raízes grossas e profundas do impeachment.

A espontaneidade desse movimento, contudo, foi soterrada pelos "grupos conscientes". Os políticos profissionais fizeram olhar de mercadores, sofreram e sublimaram-se, ignoraram as maiores expressões populares das ruas brasileiras. Afinal, tinham de tocar suas vidinhas, suas carreiras. Ao retornar a suas casas o povo brasileiro, o terreno ficou livre da esplêndida floresta que nascera: aos políticos de todo o gênero. A velha esquerda ocupou parte mínima da terra sobre a qual andara o povo, sobretudo num domingo mágico. Idem, a direita.

Desse modo, restaram três segmentos atuantes; a politicagem tradicional e ambos os grupos ideológicos. Os primeiros, sem dor, amor e cor; os segundos, com suas emoções descontroladas e desbussoladas para solucionar nossa crise com olhar contemporâneo, liberto dos velhos dogmas. E o povo, disseminada a possibilidade do Terror, não mais sai aos espaços públicos, acuado.

Daí estarmos a viver um momento ilusório, acampados sobre um vulcão. Envelhecidos, cansados. 

O homem - tanto o comum como o neurótico ou quase-neurótico que procura os extremismos - tem seu inconsciente, não raro, entranhado em áreas misteriosas, das profundezas do ser,  distanciado do limiar consciente. São, como disse Jung, áreas desconhecidas e ocultas. Tanto no plano pessoal como coletivo. Quando afloram à consciência, seus sentimentos são dissimulados, levam um chega para lá da suposta razão, do elemento apaziguador,  do a ver como ficarão as coisas. Essa mordaça pelo povo que silenciou imposta sobre sua própria expressão decorreu do ódio que tomou conta os grupos ditos ideológicos. É melhor não atritar com os filhos e com os amigos. Aquietemo-nos, ainda que o vulcão fique cada vez mais incandescente. Nele hibernam os mais ousados.

Um governo tampão - bambo - não produziu as reformas esperadas. Jamais teve condições políticas a tanto.

A  insegurança jurídica corroeu os grampos das âncoras e da confiança na funcionalidade institucional.

Assim, temos que manter nossas crenças diurnas, cotidianas, e deixar nossos sonhos cobertos pelos mantos noturnos.

Se as próximas eleições - democracia e governo não se limitam a urnas - nada resolver, abrir-se-ão as comportas e o povo deixará as grutas em que considerou conveniente homiziar-se. A "nova república" implodirá. Virá à tona uma força juvenil irreprimível. Em termos politicamente conhecidos, uma revolução; do inconsciente fundo e febril virá novo maio de 1968. Macron já o experimenta. Nossos jovens em rebelião terrível mostrarão quais são as forças vivas da nação. Arrastarão trabalhadores e intelectuais. O restante será de zumbis conservadores, corruptos e apáticos. Tudo aparentemente sólido desmanchará no ar. Não será refundada somente a república. Depois de cinquenta anos, diz-se que há um ante e  um após 1968. Teremos um após 2018. De cinquenta em cinquenta anos, a mudança de todos os valores será a larva dos vulcões do bem.

Vivamos um pouco mais. Não se vá, ante uma plantada revolução de novos jovens, raiz das árvores do século XXI.
                                                                                              
Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário