Pesquisa do Grupo Educação nas Prisões aponta problemas como censura de livros, exclusão de pessoas presas com baixa escolaridade e falta de transparência – questões foram acolhidas em resolução recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o tema;
São Paulo, maio de 2021 – Estudo inédito mostra que os brasileiros que cumprem penas nas prisões do país têm pouco acesso ao direito de reduzir o tempo de encarceramento por meio da leitura, e há problemas como censura de livros, além da exclusão de pessoas presas com baixa escolaridade e migrantes das atividades e falta transparência nas informações.
A pesquisa, realizada entre dezembro de 2020 e março de 2021, identificou o perfil dos projetos que atuam no sistema prisional e realizou um diagnóstico de suas práticas e ações para fins de remição da pena pela leitura e outras atividades de educação não formal no ambiente carcerário. O estudo foi elaborado pelo Grupo Educação nas Prisões, composto pela Ação Educativa, Unifesp, Conectas Direitos Humanos, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Remição em Rede, NESC - Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública/SP e GEDUC do Ministério Público do Estado de São Paulo. Acesse o conteúdo completo no relatório “Diagnóstico de práticas de educação não formal no sistema prisional do Brasil” no site.
De acordo com dados do Grupo Educação nas Prisões obtidos a partir de um pedido de acesso à informação para a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP/SP), feito em 2021, nos últimos três anos, menos de 1% das remições de pena no estado ocorreram por meio de atividades de leitura. O trabalho se manteve, gerando mais de 80% dos dias remidos, enquanto a educação formal seguiu, em média, com apenas 17%.
Com as informações geradas, o Grupo Educação nas Prisões incidiu na nova Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o tema, que representa um marco legal a ser seguido pelos 27 estados da federação e pela União. A Resolução 391 do CNJ, de maio de 2021, com base no diagnóstico elaborado pelo Grupo, regulamenta o direito de remir a pena por meio da educação não formal - a decisão pode ajudar o país a reduzir sua população encarcerada, já que o Brasil tem a terceira maior população presa do mundo, com mais de 755 mil pessoas presas e taxa de ocupação das celas de 170% (de acordo com o Infopen, 2019 – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), atrás apenas dos Estados Unidos e da China. A remição de pena, ou seja, a possibilidade de a pessoa presa reduzir o tempo a cumprir de sua sentença, por meio do trabalho ou do estudo; é um direito dos detentos previsto na legislação penal brasileira. Sua existência está ligada a princípios jurídicos como o da individualização e o da proporcionalidade das penas.
Estudo identifica desafios ao acesso à remição de pena por meio da leitura
Os problemas identificados pelo relatório “Diagnóstico de práticas de educação não formal no sistema prisional do Brasil são graves: censura de livros, exclusão de pessoas presas com baixa escolaridade e migrantes, falta de acesso dos projetos às informações sobre a efetividade de suas ações, falta de autonomia para a seleção dos participantes das atividades de leitura, dificuldade para que as unidades prisionais encaminhem as informações para os juízes de execução, entre outros. De acordo com a pesquisa, os projetos não sabem se suas atividades estão gerando remição; além disso, as pessoas presas e seus familiares também não sabem se a participação nas leituras é considerada nos cálculos de remição de pena.
Muitos dos problemas diagnosticados na pesquisa foram contemplados pela Resolução 391 do CNJ, que estabeleceu diretrizes e procedimentos para que essas questões sejam corrigidas, reconhecendo e estabelecendo condições para o acesso ao direito à remição de pena por meio de leitura de obras literárias. A implementação das medidas será acompanhada pelo Grupo Educação nas Prisões.
Para a elaboração do relatório foram realizadas, entre 2019 e 2020, atividades com entidades, movimentos, coletivos e Universidades que atuam com educação não-formal no Sistema Prisional e, entre 16 de dezembro de 2020 e 14 de março de 2021, o Grupo realizou uma pesquisa online para identificar o perfil dos projetos que atuam com leitura no sistema prisional. A análise dos dados permite aprofundar aspectos do diagnóstico sobre os projetos de leitura desenvolvidos no sistema prisional brasileiro. Ao todo, 22 entidades participaram do levantamento, entre organizações, coletivos, projetos e universidades de sete Estados, situados nas diferentes regiões do país. A maioria dos projetos (63,6%) atua no Estado de São Paulo, onde se concentra a maior população carcerária do Brasil (mais de 30% do total).
Uma das dificuldades que esses projetos enfrentavam era que a tomada de decisões e orientações com relação às atividades de leitura nas prisões dependiam muito de cada direção de Unidade. Isso se dava em decorrência da ausência de marcos legais, diretrizes e normativas que orientassem os sistemas e unidades prisionais. Outro ponto é o desafio da produção escrita para muitas pessoas presas que, em sua maioria (51%), não concluíram o ensino fundamental e estão menos familiarizadas com as práticas de letramento escolar, mas que se apropriam das obras de outras maneiras e devem também ter o direito à remição garantido. Com a Resolução 391 do CNJ, será possível realizar levantamentos de novas possibilidades e modalidades de desdobramentos das leituras que os projetos passarão a incorporar, ampliando as estratégias de acompanhamento dos processos de apropriação e experimentação da obra pelas educandas e educandos.
“A Resolução 391 do CNJ mostra a importância do trabalho elaborado pelo Grupo Educação nas Prisões, que identificou os problemas de dificuldade de acesso ao direito de remição de pena por meio da leitura e garantiu que a regulamentação trouxesse avanços importantes, por meio da participação do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo no GT formado pelo CNJ”, afirma Claudia Bandeira, assessora da Ação Educativa . “Apesar da importância da conquista, nosso trabalho continua – agora precisamos monitorar o cumprimento das diretrizes estabelecidas para que as pessoas privadas de liberdade tenham acesso efetivo ao direito à remição de pena por meio de atividades de leitura”.
Conquista expressiva com resolução do CNJ
Criado em 2006, o Grupo Educação nas Prisões tem atuado na produção de pesquisas e conhecimentos para subsidiar o debate público sobre a educação no ambiente prisional. A iniciativa também inclui a organização de seminários, rodas de conversas, entre outros eventos, além de uma intensa participação nos espaços de incidência política, em especial junto à Defensoria Pública do Estado.
Os trabalhos do coletivo promovem a defesa do direito à educação de pessoas privadas de liberdade no sistema prisional, implementando estratégias como produção de conhecimento, posicionamentos públicos, advocacy junto aos poderes legislativo e executivo e promoção de ações judiciais. Além da incidência no texto da Resolução 391 do CNJ, os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo já contribuíram, por exemplo, para a construção da Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 2/2010, que trata das Diretrizes Nacionais para a Educação nas Prisões.
Em 2020, por meio da participação do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública/SP no GT formado pelo CNJ foi possível garantir no texto de regulamentação demandas de movimentos, coletivos e entidades que atuam “na ponta” do Sistema Prisional como maior participação nas escolhas das obras e das pessoas presas nas rodas e clubes de leitura, a garantia de remição para pessoas não alfabetizadas e com baixa escolaridade, que a remição não assumisse caráter de avaliação ou de prova e a não censura a livros.
Os resultados das iniciativas do Grupo Educação nas Prisões contribuem com órgãos de governo, instâncias participativas, universidades e sociedade civil organizada no debate, monitoramento e efetivação do direito à educação nas prisões, com foco na remição da pena a partir das experiências de educação não formal, como a formação de leitoras e leitores, e também de educação formal no cárcere.
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