Amadeu Garrido de Paula
Toda arte seria uma expressão do recôndito pessoal. O poeta só exprime seus sentimentos pessoais. Não existe poeta que não seja um narcisista, neurótico, psicótico etc. Todos se enquadram num dos símbolos mórbidos que o grande Deus de Viena criou, do modo mais arbitrário possível, de seu apartamento ou de seu consultório. Ser poeta é ser emotivo, doente e expressar só o que vem de sua alma, não o que vem do inconsciente coletivo e os meandros objetivos do mundo. Esse foi o grande pai da psicologia.
Quanta diferença de Jorge Luis Borges, segundo o qual o verso admirável é aquele que narra um fato do mundo físico e procura dele extrair significados não aparentes.
Como sabem, a poesia no mundo antigo era um jornalismo mais interessante, que dava a todos os fatos, seguidos de seus significados, ainda que mágicos, interferidos por Deuses, narrava o que hoje está em modo, a resiliência, o poder de renascer das cinzas, Fênix nas circunstâncias mais adversas, na terra ou no mar. O homem se completava na natureza e se agitava como as árvores. Esse é o mundo. Assim como as árvores têm suas raízes, os homens também as têm, é o inconsciente, e uma minoria é doentia, enquadrável nas arbitrariedades do "incontestável mestre de Viena". As raízes humanas, em geral, ao contrário, são sadias. Generalizar a morbidez é matar a humanidade. Muitos se envergonharam de ser poetas, de ter sentimentos exacerbados, fundados, não raro, em frustrações sexuais e outras, opressão da mãe ou do pai na infância etc. Édipo, Electra e outros demônios. Tudo gerado arbitrariamente pelas categorias incontestáveis do deus Freud.
Em verdade, o poeta é o intérprete dos sentimentos coletivos inexpressos em palavras, que ele procura encontrar em suas escavações da linguagem. Felizmente, tivemos Jung, para romper com Freud e demonstrar a imprestabilidade dessa doutrina psicológica reducionista. Citemos apenas ligeira passagem do médico e filósofo suíço (que rejeitava a qualificação de filósofo):
“A técnica de interpretação freudiana, enquanto permanecer sob a influências de suas interpretações unilaterais e, por isso, falsas, é de uma arbitrariedade óbvia.
Para fazer justiça à obra de arte, a psicologia analítica deverá despojar-se totalmente do preconceito médico, pois a obra de arte não é uma doença e requer, pois, orientação totalmente diversa da médica. O médico tem que pesquisar as causas de uma doença para extirpar, se possível, o mal pela raiz; o psicólogo, porém, deve adotar uma posição oposta em relação à obra de arte. Com relação à obra de arte é supérfluo investigar o condicionamento prévio a que estão sujeitas todas as pessoas em geral. É preciso perguntar pelo sentido da obra. O condicionamento prévio só interessa na medida em que melhor facilitar a compreensão do sentido. A causalidade pessoal tem tanto ou tão pouco a ver com a obra de arte, quanto o solo tem a ver com a planta que dele brota. Certamente poderemos conhecer certas peculiaridades da planta, quando conhecermos as condições de seu habitat. Para o botânico é até um dado importante. Mas ninguém diria que isto basta para conhecermos toda a essência da planta. A insistência no pessoal, seguida de pergunta sobre a causalidade pessoal, é totalmente inadequada em relação à obra de arte, já que ela não é um ser humano, mas algo supra pessoal. É uma coisa e não uma personalidade e, por isso, não pode ser julgada por um critério pessoal. A verdadeira obra de arte tem inclusive um sentido especial no fato de poder se libertar das estreitezas e dificuldades insuperáveis de tudo o que seja pessoal, elevando-se para além do efêmero do apenas pessoal". ("O Espírito na Arte e na Ciência", ob. completa, vol. 15, págs. 61/62).
Por isso, minhas amigas poetisas e meus amigos poetas, todos saudáveis, espécie em extinção, fujam de Freud. Nosso coleta Walt Withman já escancarou as erronias de sua tese.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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