O Ministério Público Federal deu garantias às autoridades espanholas de que Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, será processado no Brasil por supostamente ter desviado milhões de euros da seleção e que seu caso não seria engavetado. A Espanha, que investigava o caso, aceitou o argumento e optou por transferir ao Brasil o processo criminal envolvendo o ex-cartola
Ele é acusado de lavagem de dinheiro e desvio de recursos dos jogos da seleção, denúncia revelada pela reportagem do Estado em 2013, algo que ele nega. Em julho, uma ordem de prisão internacional foi emitida pelos espanhóis contra Teixeira, que nega qualquer tipo de crime. Mas jamais foi aplicada no Brasil.
O ex-dirigente vivia nos EUA até 2014, mas apressou sua mudança ao Brasil quando as investigações do FBI começaram a ganhar forma e eclodiram, em 2015, contra o mundo do futebol. Desde então, ele passou a ser investigado também na Suíça, Espanha, Andorra e foi até mesmo alvo de procuradores na França, que descobriram uma conta sua em Mônaco. A polícia espanhola chegou a flagrar uma conversa telefônica entre Teixeira e Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, em que o brasileiro o consulta sobre qual país seria adequado para uma saída caso sua situação no Brasil se complicasse.
Na semana passada, o Estado revelou com exclusividade que Madri aceitou a solicitação da Procuradoria Geral da República (PGR) e deu sinal verde para que o processo contra o cartola seja enviado ao Brasil.
Agora, documentos da decisão na Espanha sustentam que a transferência do caso para a Justiça o Brasil seria o melhor caminho para garantir uma punição e indicam que procuradores brasileiros foram quem solicitaram que o processo chegasse às suas mãos para "impedir a impunidade". A cooperação judicial estava prevista em um acordo entre Brasil e Espanha, assinado ainda em 2006.
Com base em reportagens do Estado, procuradores espanhóis iniciaram investigações que apontaram para o desvio de recursos envolvendo amistosos da seleção brasileira. O Ministério Público da Espanha prendeu o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, e emitiu ordem de prisão contra Teixeira.
A suspeita é de que contratos falsos permitiam que cerca de 500 mil euros fossem desviados aos dois dirigentes, sem que serviços legítimos fossem prestados, a cada amistoso do Brasil. O dinheiro terminava em contas sigilosas em Andorra e o MP espanhol acusa tanto Rosell como Teixeira de fazer parte de uma organização criminosa transnacional.
"Os fatos se referem à ocultação de recursos obtidos de forma ilegal a partir da venda de direitos audiovisuais da seleção brasileira de futebol realizada pela CBF, em favor da ISE, empresa com sede nas ilhas Cayman e titular do direito de organizar as partidas da seleção", aponta o documento.
"Teixeira e Rosell se utilizaram de empresas de fachada e contas bancárias, principalmente no principado de Andorra, para ocultar os recursos obtidos a partir das vendas de direitos de transmissão de jogos da seleção, com prejuízo para a CBF", disse "Autoridades espanholas descobriram que Teixeira, presidente da CBF entre 1989 e 2012 e membro da Fifa entre 1994 e 2012, recebeu indiretamente por meio de pessoas jurídicas grande parte dos 8,3 milhões de euros cobrados por intermédio da Uptrend, empresa com sede em Nova Jersey, nos EUA, na aquisição dos direitos de transmissão das partidas da seleção", indicou.
Teixeira, segundo o documento, é investigado na Espanha por "lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa". Em cada jogo, eram transferidos pela ISE cerca de 1,6 milhão de euros. Desses, 1,1 milhão iam aos cofres da CBF. Mas cerca de 500 mil euros terminavam em uma conta de Rosell nos EUA. Dessa conta, porém, quem detinha um cartão de crédito era Teixeira.
Mas, se Rosell continua preso, Teixeira se beneficia de viver fora da Espanha. "Se Teixeira fosse condenado em um processo criminal espanhol, não poderia ser extraditado do Brasil para a Espanha para que se cumpra a pena", admitem os juízes da Audiência Nacional Espanhola.
Por ser brasileiro nato, os juízes constatam que Teixeira tem a garantia constitucional de não ser extraditado do Brasil. Além disso, as leis brasileiras não permitem a homologação de sentenças criminais condenatórias estrangeiras para que as penas sejam cumpridas no País. "Entretanto, a proibição de extradição de um cidadão brasileiro nato não deve servir de obstáculo para sua responsabilização criminal por atos cometidos no exterior", alertam os juízes, citando o MPF. "A impossibilidade de homologação no Brasil de sentença condenatória estrangeira para execução da pena não deve possibilitar a impunidade", disseram.
EVITAR IMPUNIDADE - O caminho escolhido, portanto, foi o de repassar o caso em sua integralidade ao Brasil. Fazendo referências ao MP brasileiro, a decisão ainda aponta que foram os procuradores em Brasília quem solicitaram que o caso ganhasse essa rota.
"Como o Brasil não extradita seus nacionais por impedir sua Constituição, nem tampouco reconhece as sentenças de condenação ditadas por tribunais estrangeiros, as autoridades do Brasil solicitaram a transferência do procedimento criminal em trâmite na Espanha para que se possa seguir contra ele no Brasil, impedindo a impunidade dos fatos", explicaram os juízes.
"Levando em conta os extremos indicados, procede a cessão de jurisdição interessada pelas autoridades do Brasil", conclui a Audiência Nacional.
O Estado apurou que, em Madri, os argumentos do MP brasileiro foram interpretados como um gesto que rompe com a ideia de o País ser um santuário para brasileiros que cometam crimes no exterior e que se blindam graças à Constituição.
O mesmo procedimento foi utilizado pelo MPF em 2015 quando solicitou aos suíços a transferência do processo criminal que existia em Berna contra Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados. Poucos meses depois de a procuradoria receber o caso, o ex-deputado foi preso.
O Tempo
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