Amadeu Garrido de Paula
Lá pelos anos de 2300 - três gerações bem cuidadas - humanos remanescentes, se houverem, poderão encontrar um velho pergaminho da "terra brasilis". Apócrifo, porque exposto em algo há muito desaparecido, que chamavam de jornais. Eram diários e, portanto, fugazes, diferentes dos livros, permanentes; ainda havia exemplares da Eneida, de Publius Virgilus Moro. O nome do autor perdera-se nas implacáveis trevas do tempo.
Conta-se uma história política. De direito constitucional. Diz-se que, naquela época, vigia naquela parte do extremo sul denominado América Latina, um Estado Democrático de Direito. Estado era uma realidade normativa, um conjunto de políticos e de funcionários públicos dotados de autoridade ou de autoritarismo; para alguns, criado espontaneamente, para outros por uma imagem - "contrato social". Seu objetivo era não permitir que os homens fizessem o que desejassem, porquanto a raça humana sempre foi imperfeita, apesar de ter inteligência. Democrático, porque havia suposição de que todos eram livres e iguais entre si. De Direito, porquanto regras deviam ser observadas, ainda que sob coação.
Dizia o pergaminho que, quando alguém praticava um crime, violava gravemente um direito alheio, ia para um lugar, denominado prisões. De lá não podiam sair, e, egressos, ou vinham de cabeças baixas, derrotados, deprimidos, ou ainda mais violentos. Em verdade, eram, as prisões, lugares infétidos, onde, em geral, cada um tinha um metro quadrado de espaço para virar-se, não obstante viver, aquela população, num país muito grande, um continente. A maioria do povo preferia que essas pessoas fossem mortas, que a pena fosse de morte, com exceção de seus parentes.
Exposições eletrônicas - ditos programas de televisão - eram os grandes juízes, apesar de haver, naquele grande condado, uma instituição de juízes especializados em ver provas e direito - o Poder Judiciário. Como admitir-se que não era culpado alguém exposto por um filme?
Em certo momento, discutiu-se se deviam ir às prisões os condenados por Tribunais. Eram juízes agrupados e que parlamentavam, encarregados de revisar as decisões dos juízes isolados, que observavam os fatos em primeiro lugar; ou se, somente, depois de estes analisados em "terceira instância", por meio dos "recursos nobres", em Tribunais ainda mais superiores. A maioria queria a punição mais imediata, o recolhimento aos "cárceres" logo em seguida à primeira "decisão colegiada", mas não propunham a extinção dos inúteis "tribunais nobres".
Além dessa "justiça" criminal, havia uma Justiça Cível, encarregada das causas de direito civil e comercial, além de outras, que foram proliferando, porque as injustiças, principalmente as provenientes do tal "Estado", eram cada vez em número maior. Um grupo de pessoas, das mais sofridas - sim, porque havia um muito pequeno número, denominado de "ricos", e uma imensidão, a maioria, que eram os "pobres". Portanto, um grupo de pobres, feridos na democracia e em seu direito, não tinham esse problema posto na mesa. Havia que se esperar até o último pronunciamento dos "Tribunais nobres", que possuíam tantos becos internos que se tornavam intrincados labirintos, percorridos por vigias que levam o nome de "recursos regimentais". Esses tinham de esperar, até o último pronunciamento da Justiça, porque, em princípio, o Tribunal nobre poderia dizer que não tinham o direito já reconhecido pelos inferiores. E teriam gasto o "dinheiro", controlados por "bancos", sem poder restituir. Um grave dano, o mesmo não reconhecido àqueles que perderam, por algum tempo, a liberdade, e, consequentemente, a vida. O ter era mais importante que o ser.
Esse escrito antigo, para mascarar, como era hábito, a história, fora lançado numa floresta, a Amazônia. Quando transformada num deserto, o pergaminho foi descoberto por um de nossos arqueólogos, soterrado sob a areia. O nome do escritor estava carcomido pelas tempestades de areia, foi possível recuperar apenas o essencial, acima descrito, que ficou exposto numa de nossas bibliotecas eletrônicas. Por isso se transformou, apenas, no último dos "pergaminhos apócrifos" da Antiguidade.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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