Um dos mais renomados e combativos jornalistas do Brasil, Juca Kfouri esteve em Belo Horizonte na semana passada para lançar seu livro de memórias, “Confesso que perdi”, um apanhado de quase 50 anos de carreira, mas que contempla também muitas boas histórias de sua vida, sempre repleta de personalidades da política, das artes e, claro, do desporto nacional e mundial. Em um papo exclusivo com o SUPER FC, ele não se furtou a responder nada e falou de sua luta contra a cartolagem corrupta do Brasil, mas também de futebol.
Para um profissional bem-sucedido como você, o título do livro chama atenção. Por que “Confesso que perdi”? Por uma razão simples: eu não sou um cara voltado para o meu umbigo. Para quem, aos 17 anos, já militava clandestinamente contra a ditadura que nos assolava, é preciso admitir que o Brasil está a léguas de distância do país que eu sonhava há 50 anos.
Mas você não comemora o fato de dirigentes que você sempre denunciou, como José Maria Marin, Marco Polo del Nero, Ricardo Teixeira e Carlos Arthur Nuzman estarem respondendo por seus atos? Me faria feliz se, no lugar deles, entrassem pessoas que pudessem pôr o esporte brasileiro no caminho certo. E não é o que temos visto. A estrutura é tão forte que sai João Havelange, entra Ricardo Teixeira, sai Teixeira, entra Marin, sai Marin, entra Del Nero. Sai o Nuzman, entra um apaniguado dele. E o pior, os problemas que tiveram Havelange, Marin, Teixeira e Del Nero são decorrentes das Justiças suíça e americana. Os de Nuzman, da Justiça francesa. Pelas ilicitudes que cometeram, é inadmissível que não tenham sido pegos pela Justiça brasileira.
Por que você enveredou pelo jornalismo combativo? Eu sou filho de promotor de Justiça. Um colega do meu pai dizia que eu tinha escolhido a profissão dele, mas, em vez de ir para o Ministério Público, fui para a imprensa. Assim que comecei a trabalhar na “Placar”, aos 20 anos, eu ouvia os jornalistas mais antigos contarem os desmandos do esporte e perguntava por que aquilo não era publicado. Eles diziam que, se mexessem com isso, seriam processados, porque o leitor do esporte queria ler sobre gols, jogadas, jogadores, e não assuntos áridos. Quando eu assumi a direção de “Placar”, eu já tinha a certeza de que o leitor tinha o direito de saber dos bastidores do esporte. E quanto era obrigação dos jornalistas contar. Eu respondi a mais de cem processos, 50 só de Ricardo Teixeira, mas a obrigação do jornalista é essa. É a nossa missão.
O que você acha de dirigentes que usam seus feitos nos clubes para se eleger a cargos públicos? Futebol e política se misturam desde que nasceram. Eu não acho isso ilegítimo, apenas acho que eles não podem se esconder no esporte para acobertar maus feitos. Veja a família Aro de volta à Federação Mineira (de Futebol). E o Zeze Perrella? E o Aécio e sua irmã, que tanto mal fizeram aos jornalistas de Minas?
Você não se deixou seduzir para entrar na política? Eu nunca tive a menor dúvida de que meu papel é como jornalista. Acho até que eu tenho mais espaço como jornalista do que eu teria como político.
Como você vê esse momento que o Brasil vive? Não tenho dúvida de que essa limpeza é necessária. Me preocupa que essa limpeza seja seletiva, que cometa arbitrariedades. Só não podemos deixar que aconteça no Brasil o que aconteceu na Itália, que teve a operação Mãos Limpas, muito mais abrangente do que a Lava-Jato, e acabou no Berlusconi. Um bufão, corrupto, e que apareceu como salvador da pátria. O Judiciário precisa ficar atento. Os espetáculos que temos visto no STF são tão ou mais vergonhosos do que aqueles dados por nossos políticos.
Como você vê o Brasil para a Copa de 2018? Eu vejo o Brasil como um dos favoritos, mas com Alemanha em primeiro, depois a França, depois a Espanha, e o Brasil junto com a Bélgica. Que o Brasil deve fazer boa figura, não tenho dúvida, ainda mais sob o comando do Tite, que, lembre-se, assinou um manifesto contra Marco Polo del Nero e depois aceitou trabalhar na CBF.
Você se decepcionou com ele? Eu não exijo heroísmo com o pescoço alheio. Eu não exijo sequer que as pessoas ajam como eu ajo. Eu teria entendido ele assumir a seleção se não tivesse assinado o manifesto, que é contundente demais para você assinar e depois ir trabalhar no lugar que você deplorou. Mas eu tenho uma esperança, que pode ser ingenuidade. Que o Tite ganhe a Copa e, logo depois, entregue o cargo e diga que ser campeão do mundo não basta. Diga que futebol brasileiro precisa ser reorganizado de cima abaixo. Que o futebol brasileiro é um antro de corrupção. Espero que ele faça isso, embora ache improvável. Que ele tenha essa carta na manga. Porque ele, hoje, é o rei da cocada preta, mas está devendo uma explicação.
Cristiano Ronaldo, Messi ou Neymar? Messi, até mais do que Maradona, que foi mais genial, mas Messi é mais eficaz. Ele está dois degraus abaixo de Pelé. Já o Neymar, se não amadurecer, não virar homem e parar com essas coisas que aprendeu com o pai, quando Messi e Cristiano Ronaldo entrarem em declínio, ele pode ficar abaixo do Mbappé.
Quem foi o melhor que você viu jogar depois do Pelé, que você sempre deixa claro que foi o melhor? E quem foi seu maior ídolo afetivo? O Pelé deixava os estádios boquiabertos, o Garrincha fazia os estádios darem gargalhadas. O Mané foi o único capaz de rivalizar com Pelé. Agora, eu me aproximei de figuras humanas como o Sócrates, o Tostão, que foram craques dentro e fora de campo.
Por que você nunca escondeu para que time torce? Antes de ser brasileiro, sou corintiano. Nunca tive dúvida em dizer. Eu entendo, hoje, jornalistas que não revelam por causa da violência e da intolerância que toma conta do nosso país. Eu sempre fiz questão de deixar claro que era um corintiano dizendo que foi ou não pênalti. “Ah, ele está dizendo isso porque é corintiano”. Ou “até ele que é corintiano está dizendo que foi pênalti”.
O Tempo
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