terça-feira, 27 de março de 2018

Ególatras

Amadeu Garrido de Paula

A ególatra chorou por dias atrozes e jamais os perdoou. Destinou o mármore incandescente ao marido e ao homem, ambos bravos, corajosos, que reuniram os pedaços, os escombros de um cãozinho que a ególatra mantinha como propriedade e se espalharam pela rua ensanguentada. Havia que poupá-la...

Destinou o mármore incandescente ao marido e ao homem

O caminhão de lixo atropelara o pobre animal, já cego, como se fora morte imperceptível; segundo a ególatra, por envenenamento, não por seus grossos pneus que o reduziram a fragmentos rubros e desafiaram a coragem dos homens, um deles um negro forte, lágrimas soltas, que recolheram os olhos, o rabo, o ventre, a cabeça, o fígado, e os depositaram no veículo matador involuntário.

O ególatra, como todos os seus pares, cria uma teoria, que não pode ser contrariada, sem arrostar a natureza sempre voltada a si;  a morte era discutível, o cão estaria inteiro, impunha-se levá-lo ao veterinário da esquina, para tentar reanimá-lo ou, pelo menos, atestar os sinais tanatológicos de certeza.

Seu sepultamento deveria ocorrer juntamente com o de sua companheira, recentemente devastada por um câncer, jamais feito lixo a ser recolhido.

O fato é que a verdade dos ególatras só lhes pertence, jamais querem ver o mundo, sobretudo se esbarram em seus antípodas,  homens bons e de coragem. 

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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