Amadeu Roberto Garrido de Paula
O "golpe no golpe" de 1968 endureceu como uma rocha o regime militar.
Correntes de esquerda se fizeram ondas que nelas ricocheteavam. O povo ficou distante desse mar em torvelinho.
Jovens, conduzidos por alguns experientes, enfrentaram o regime por meio da denominada luta armada. ALN (Ação Libertadora Nacional, o velho partidão anti-imperialista de armas na mão), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, sem argumentos teóricos, restrita ao combate), Var-Palmares (Vanguarda Revolucionária Palmares, espécie de "esquerda caviar" paradoxalmente armada), Poc (Partido Operário Comunista, trotskista), Polop (Política Operária, variante pretensamente mais intelectual que o POC), PCdoB (tradicional "racha" do Partido Comunista Brasileiro, vinculado inicialmente à China, em contraposição à URSS), AP (corrente ligada à Igreja Católica, que teve sua derivação "marxista leninista"), Molipo (movimento de libertação popular, simpático a Fidel Castro) e outros sub-agrupamentos, a esquerda brasileira completamente retaliada por divergência internas.
O poder se especializou no combate a esses desafios, com a criação dos DOI-CODI, a Operação Bandeirantes, o Cenimar e outros. A guerra de guerrilhas.
No plano aberto, ainda falavam poucos estudantes. A UNE e as UEES insistiam em sobreviver na clandestinidade a que foram remetidas, o governo dava atenção especial ao movimento estudantil, reprimindo com ferocidade os segmentos que considerava pontes das organizações para-militares, daí decorrendo torturas e mortes, como a do estudante da Faculdade de Geologia da USP, Alexandre Vanucchi Leme. Os estudantes dessa Faculdade passaram a usar os blusões ao avesso, para ocultar que estudavam geologia. No mais, estudantes se posicionavam em seus centros acadêmicos e diretórios centrais livres, em ampliação a espaços de participação institucionais, minorias junto às congregações universitárias, consideradas mais dóceis ao regime, além de quantitativamente inexpressivas nos respectivos colegiados.
O movimento sindical silenciou. Alguns sindicalistas conectados ao venerando Partidão (Partido Comunista Brasileiro, vinculado à URSS e boa parte de seus integrantes rompidos com essa orientação ao advento da Glasnost e a Perestroika, foram presos e torturados, como de hábito). Políticos membros desse Partido agiam sob o manto do então PMDB, também estritamente vigiados, mas tolerados.
Greves eclodidas em 1969, maxime no centro da indústria automotiva pelos metalúrgicos de São Bernardo, iniciaram grandes movimentos de massa de índole reivindicatória. Ficava escancarado que nosso alardeado desenvolvimento se sustentava sobre uma política de arrocho salarial. Num momento em que a produção não se servia de nenhuma informatização, essas greves penetravam nas entranhas da economia e da política, gerando crises profundamente sérias. A repressão de abateu sobre seus líderes, porém sem a agressividade que empregava contra aqueles segmentos ditos "organizados".
Luta estava entre eles. Em liberdade, vislumbraram como opção política a formação de um novo Partido Político institucionalizado (o PT), em torno do qual passaram a gravitar os intelectuais, sob o comando do líder do chão de fábricas. Seu discurso foi contra a opressão, a injustiça social que não era erradicada do País por falta de vontade e a famosa ética na política.
Dizimados aqueles movimentos armados, os órgãos repressivos, para justificar sua mantença e respectivas benesses, atacaram o indefeso Partido Comunista Brasileiro. Médicos, advogados, jornalistas, trabalhadores físicos, por exemplo, foram presos em seus trabalhos. E reprimidos tão violentamente como os guerrilheiros, morrendo nos porões Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho. Ante a discordância e reação do Presidente Geisel, que removeu do comando do II Exército o General Ednardo D’Avila Mello, esses órgãos chegaram a cogitar de matá-lo. Explodiram bombas mortais, a exemplo do Rio Centro e da OAB.
Fiquemos, porém, na trajetória do novo PT. Sua primeira conquista foi a Prefeitura de Diadema, em São Paulo. Suas sucessivas gestões geraram progresso na cidade, mas já sob acusações de corrupção. As conquistas foram se reproduzindo e o partido obreiro ou trabalhista ganhou proporções capazes de resgatar o poder central, o que se deu depois de concluído o processo de democratização, "lento e gradual".
Os militares deixaram o poder, muitos deles pobres, mas todos, por razão direta ou indireta, com as mãos ensanguentadas.
Ao ganhar Lula sua primeira eleição, um passarinho me contou que o PT chegara ao fim. Nunca uma previsão foi tão certeira. O indigesto presidencialismo de coalização destruiu os ideais trabalhistas. Cooptou seus membros e os corrompeu como nunca se viu antes na história deste País.
Conectadas a corrupção e o populismo, deu no que deu. Os episódios mais recentes são cansativamente conhecidos. Como é sabido, a experiência trabalhista frustrada e frustrante se reiterou por várias vezes no mundo. A extrema direita pretendeu ocupar o espaço da anomia, mas também revelou sua crônica inépcia, com ressalva a eleição de Trump, enviesada por causa de um sistema eleitoral aleijado.
O mundo espera que a mensagem de um estado de bem-estar social e de liberdades democráticas direcione seu futuro. Como sempre, a nação do iluminismo nos rendeu recentemente Emmanuel Macron. Resta ver.
São ligeiras observações. Historieta de fatos, sem o fio de Ariadne, que pode contribuir com a ciência da história do último meio século no Brasil.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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