segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Acaiaca: setentão vanguardista

“De fora, estou no centro de Belo Horizonte. Mas quando entro, visito outras épocas”, define Antonilson Batista Pereira, da equipe de manutenção do edifício Acaiaca. Pereira assumiu a função há apenas 10 meses, mas a viagem temporal à qual se refere tem lastro na história de uma das edificações mais emblemáticas da capital mineira e que, em 2017, completa 70 anos: o Acaiaca – que, vale lembrar, já reinou sozinho na avenida Afonso Pena. Mesmo quando já cercado por outros prédios, soube se reinventar, ocupando lugar de honra na memória afetiva da cidade.

Como muitos outros mineiros, Antônio Rocha Miranda, 79, autor do livro “Edifício Acaiaca: O Colosso Humano e Concreto”, não tem memória de uma Belo Horizonte sem o Acaiaca. “Estive ali logo que ele terminou de ser feito. Usei um dos elevadores e tive uma sensação indescritível. Na época, ainda criança, aquilo para mim era uma coisa impossível”, comenta sobre a velocidade dos ascensores, que percorrem 26 andares em 20 segundos – ainda hoje, os mais rápidos da capital.

A altura também causava surpresa. “Quase não dava para acreditar”, relembra Miranda. Na verdade, nenhum outro superou, na capital, os 120 m de altura da construção, segundo Françoise Jean, diretora de Proteção e Memória do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). Idealizado pelo empreendedor Redelvim Andrade e o arquiteto Luiz Pinto Coelho, seu genro, o prédio teve as obras iniciadas em 1943. Aos poucos, os andares foram sendo entregues e, quatro anos depois, tudo ficou pronto, como conta seu Antônio.

Memórias. Igualmente impressionado, mas com pouco gosto por ficar longe do chão, João Alves de Souza, 77, que trabalha no edifício há 50 anos, só esteve na cobertura uma vez. “Dá para ver Belo Horizonte quase inteira, mas não gosto, me dá tontura”, confessa. Ainda rapaz, no dia 1º de setembro de 1966, Alves começava a trabalhar ali, nos serviços gerais. Hoje, ascensorista, ostenta o posto de “arquivo vivo”. “Se for escrever, dá uns dois livros. Se for pra contar, a gente fica uns três dias ... e ainda não dá”, ressalta. A memória, por sinal, não lhe trai. “Quando entrei, o síndico era um tio do (jogador) Tostão, que sempre vinha aqui. O Dadá Maravilha ainda vem”, diz.

A razão para que o lugar fosse frequentado por tantos famosos se explica pelos empreendimentos que ocupavam as 460 salas do Acaiaca em sua “era de ouro”, entre as décadas de 50 e 60, como, por exemplo, lojas de alta costura e indústria têxtil. Nesse período, lembra Souza, passavam cerca de 35 mil pessoas por dia – a administração não informou os números atuais. Intelectuais também eram presença constante, já que, de 1953 até 1964, funcionava ali a Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

RELEVÂNCIA

Patrimônio cultural e também afetivo

Em 1994, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município reconheceu a fachada do Acaiaca como patrimônio histórico municipal. Pouco depois, foi a vez de o hall de entrada ser tombado.

“Embora não seja protegido pelo Estado, o Acaiaca tem elementos históricos e culturais que lhe dão mérito para receber, talvez no futuro, o título de patrimônio de Minas Gerais”, explica Françoise Jean, diretora de Proteção e Memória do Iepha-MG.

Construído no estilo art déco – movimento artístico iniciado nos anos de 1920 que trazia estética mais limpa, voltada para aspectos funcionais –, Françoise acredita que o prédio tem valores diferentes para cada geração. “Até os anos de 1930, BH era uma cidade baixa, de vocação administrativa. Na década de 40, no entanto, se torna um polo econômico. E isso é visualizado por meio da arquitetura”, diz. “Inaugurado na celebração de 50 anos de BH, o Acaiaca se torna ícone e materializa esse desejo de modernidade”, pontua.

Nessa época, já existia o Cine Acaiaca, inaugurado em 1948 com o filme “Sempre Te Amei”. O lugar acolhia 826 pessoas e fechou 50 anos depois.
O Tempo

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