Tiradentes. Previsto para chegar às salas de cinema do país em março, o filme “Era O Hotel Cambridge” tem mantido a boa repercussão em festivais. Em 2016, o longa-metragem, que aborda o cotidiano de refugiados e trabalhadores sem teto num prédio ocupado no centro de São Paulo, levou três prêmios no Festival do Rio, entre eles os de melhor filme e melhor montagem, eleitos pelo júri, e o de melhor filme brasileiro de ficção escolhido pelo júri popular. Na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a obra novamente se consagrou na última categoria, e, agora, em Tiradentes, onde o filme também teve uma recepção calorosa, sendo aplaudido de pé por cerca de 600 pessoas durante cinco minutos após o fim da sessão no último sábado.
Para a diretora Eliane Caffé todo esse retorno tem sido uma surpresa. “A gente nunca esperava que o filme tivesse esse alcance. Além de ganhar esses prêmios no Rio e em São Paulo, houve uma reação muito forte das pessoas também na Espanha (Festival de San Sebástian). Isso mostra que o filme tem uma comunicação com o público que as pessoas não imaginavam. Algumas diziam aquelas coisas... que a obra era cabeça ou autoral demais. Agora eu percebo que ela está sintonizada com uma questão que também está no público em geral e eu acho uma coisa muito boa saber que as pessoas estão sensibilizadas por essas temáticas e não estão indiferentes à situação dos refugiados e do trabalhador sem teto”, afirma a diretora.
Acompanhada de Carmen Silva, ativista do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), que milita na capital paulista e interpreta a si mesma na produção, além da atriz Preta Ferreira e da roteirista Inês Figueirò, Caffé participou ontem (22) de um bate-papo sujas senhas esgotaram. Ao lado de convidados e em diálogo com a plateia, elas detalharam o processo que levou à ficção fortemente ancorada na relação com o real.
Ao longo de três anos, Caffé e uma equipe multidisciplinar, da qual integrou um grupo de estudantes de arquitetura, responsáveis pela direção de arte, conviveram com os habitantes do Hotel Cambridge, onde toda a história é ambientada. Dilemas, como os conflitos entre os moradores sem teto e os refugiados, a ameaça constante de despejo, que compõem a tensão típica de uma “zona de conflito”, como sublinha a diretora, permeiam a construção da narrativa. Essa, de acordo com ela, foi bastante modificada ao longo do processo.
Uma estratégia para não se perder em meio a esse projeto, que travou essa relação muito íntima com a vida dessas pessoas, foi, de acordo com Caffé, a mescla de atores e não-atores. Do primeiro grupo fazem parte, por exemplo, José Dumont, Suely Franco e Paulo Américo. “Quando você está dialogando com uma zona viva real, você facilmente pode ser engolido pela vida mesma que está acontecendo ali. É importante não perder a ideia de trabalhar junto com a realidade. Isso significa não temer projetar coisas que são do seu universo singular junto com o daquele lugar. Não é só a Carmen Silva que quer se expressar nem o Isam, mas eu também sinto essa necessidade. O trabalho dos atores como o Zé (Dumont), a Suely Franco e o Paulo Américo são a expressão desse conteúdo singular. Mas obviamente, eles não fazem tal qual imaginamos porque eles recriam e querem se expressar ali”, conclui a cineasta.
Ao longo de três anos, Caffé e uma equipe multidisciplinar, da qual integrou um grupo de estudantes de arquitetura, responsáveis pela direção de arte, conviveram com os habitantes do Hotel Cambridge, onde toda a história é ambientada. Dilemas, como os conflitos entre os moradores sem teto e os refugiados, a ameaça constante de despejo, que compõem a tensão típica de uma “zona de conflito”, como sublinha a diretora, permeiam a construção da narrativa. Essa, de acordo com ela, foi bastante modificada ao longo do processo.
“Se a gente vê o roteiro inicial e aonde nós chegamos, o que percebemos é uma transformação muito grande. Em nenhum momento estávamos tranquilos e, ao longo do tempo, nós só tínhamos a convicção de que a gente estava trabalhando dentro de uma zona de conflito. Nós fizemos o filme inteirinho dentro da ocupação e a presença dos refugiados junto com os moradores era uma coisa que aos poucos ia aumentando, estabelecendo um convívio que é conflituoso”, relata Caffé.
Para estreitar relações com o grupo, que é bastante diverso, Figueirò conta que foram realizadas oficinas por meio das quais a equipe realizadora conheceu melhor os habitantes do edifício. “Nós trabalhamos com as crianças e com os adultos, e, dessa forma, eles nos mostraram o mundo deles de uma forma muito aberta. Assim, nós fomos encontrando as pessoas que naturalmente estão no filme. A gente não chegou na Carmen e disse: você vai ser a Carmen. Anteriormente, nós tínhamos uma personagem que se chamava Holanda, que seria uma líder. A Carmen, depois, incorporou esse papel, exerceu na ficção a função que é dela mesma no movimento, mas ela disse que não gostaria de Holanda, mas Carmen”, afirma a roteirista que frisa a importância do ato de escuta nessa etapa de criação.
“Muitos refugiados ficaram sabendo dos nossos encontros semanais e foram chegando. Eles tinham a necessidade de moradia, queriam saber o que estava acontecendo, se tinha lugar para eles naquele prédio, e foi importantíssimo esse ato de escuta para elaborarmos a história que estava sendo contada a partir do que eles trouxeram. O filme surge disso”, completa ela.
Carmen, por sua vez, relata ter sido um desafio ser dirigida pela primeira vez e que, em alguns momentos, se perguntava até que ponto a equipe de produção conseguiria acompanhar as suas experiências. “O meu cotidiano é de luta. Não é fácil ser Carmen e ser dirigida por Eliane Caffé.
Carmen, por sua vez, relata ter sido um desafio ser dirigida pela primeira vez e que, em alguns momentos, se perguntava até que ponto a equipe de produção conseguiria acompanhar as suas experiências. “O meu cotidiano é de luta. Não é fácil ser Carmen e ser dirigida por Eliane Caffé.
Houve cenas que fazem parte do meu dia a dia e eu tinha medo de assustá-los. Mas, no fim, deu tudo certo. Foi muito importante essa cumplicidade, o envolvimento dos coletivos, de várias pessoas diferentes do nosso mundo. Essa aproximação fez com que a gente abrisse as portas do movimento”, afirma ativista e atriz.
Espaço para o real. Caffé comenta que, diante do interesse daquelas pessoas em narrarem suas próprias histórias, o formato se adequou a essa necessidade, fazendo a direção muitas vezes recuar, abrindo espaço para improvisações daqueles que se alternavam na figura de atores e diretores.
“A gente procurou ir para outro caminho, a partir dessa vontade grande deles, dos refugiados e dos moradores, de narrar. E, para isso, você tem que ceder lugar de narrador para eles. A direção nesse momento se retira mesmo e por isso esse é um filme coletivo. Muitas vezes, eu não estava na direção, como numa cena em que elas estão descascando mexerica (e simulando um encontro com uma juíza). Foi a Carmen que dirigiu aquela cena e nós estávamos correndo atrás de acompanhar os movimentos deles o tempo todo. O mesmo aconteceu quando Isam faz um comentário sobre os graus etílicos das bebidas”, explica.
Uma estratégia para não se perder em meio a esse projeto, que travou essa relação muito íntima com a vida dessas pessoas, foi, de acordo com Caffé, a mescla de atores e não-atores. Do primeiro grupo fazem parte, por exemplo, José Dumont, Suely Franco e Paulo Américo. “Quando você está dialogando com uma zona viva real, você facilmente pode ser engolido pela vida mesma que está acontecendo ali. É importante não perder a ideia de trabalhar junto com a realidade. Isso significa não temer projetar coisas que são do seu universo singular junto com o daquele lugar. Não é só a Carmen Silva que quer se expressar nem o Isam, mas eu também sinto essa necessidade. O trabalho dos atores como o Zé (Dumont), a Suely Franco e o Paulo Américo são a expressão desse conteúdo singular. Mas obviamente, eles não fazem tal qual imaginamos porque eles recriam e querem se expressar ali”, conclui a cineasta.
O Tempo
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