Literatura
PUBLICADO EM 28/01/17 - 03h00
A descoberta foi feita por Dilea Zanotto Manfio e Gênese Andrade durante pesquisa para elaboração das “Obras Incompletas”
Rio de Janeiro. A melhor descrição sobre o poeta e escritor Oswald de Andrade (1890-1954) foi dada pelo crítico Antonio Candido, em 1964: “gigantesco, transbordante, cintilante, generoso, violento e risonho, infantil e maduríssimo, sempre alerta, sempre combativo, sempre disposto à luta e a esquecer os espinhos da luta”. A famosa verve de Oswald, tão bem definida por Candido, está presente em 22 poemas inéditos até agora. Os textos estavam em cadernos e folhas avulsas que, na década de 1990, permaneciam com a família do modernista paulistano e hoje estão guardados no Fundo Oswald de Andrade, no Centro de Documentação Alexandre Eulalio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A descoberta foi feita por Dilea Zanotto Manfio e Gênese Andrade durante pesquisa para elaboração das “Obras Incompletas”, uma edição crítica coordenada pelo professor Jorge Schwartz, da Universidade de São Paulo (USP), e que faria parte da Coleção Archives. Contudo, as “Obras Incompletas” nunca foram publicadas, e os poemas saem agora, pela primeira vez, em “Poesias Reunidas”, (Companhia das Letras). A editora começou a relançar no segundo semestre do ano passado todas as obras do poeta e escritor.
“Não sabemos por que Oswald não os publicou. São bons, de qualidade, têm valor estético e dialogam com seus contemporâneos”, explica Gênese, que coordena a reedição das obras em conjunto com Schwartz, ressaltando que um dos textos, “História de José Rabicho”, foi publicado numa revista, há mais de dez anos.
Além dos inéditos, “Poesias Reunidas” traz, num mesmo volume, “Pau Brasil” (1925), “Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade” (1927), “Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão” (1942) e “O Escaravelho de Ouro” (1946). Em seguida, vêm “Poemas Menores”, com textos escritos entre 1925 e 1944, mas já publicados em outras antologias, e “Poemas Dispersos”, com alguns versos publicados em revistas, mas jamais em livro.
“Poemas como ‘sol’ e ‘meditação no horto’ (com títulos em letras minúsculas mesmo) foram publicados na “Revista de Antropofagia”, mas são inéditos em livro. É bem curioso que Oswald não os tenha incluído na edição de 1945 das ‘Poesias Reunidas’”, aponta Gênese.
Encontro. Schwartz vê uma relação entre os textos inéditos e as obras “Pau Brasil” e “Primeiro Caderno do Aluno de Poesia...”. “História de José Rabicho”, na sua opinião, mostra o caráter altamente experimental de Oswald. O poeta escreveu duas versões: a primeira, composta de 14 pequenos poemas, e a segunda, um texto único de prosa poética. Já como exemplo de síntese, o professor cita o poema inédito dedicado à filha de Tarsila do Amaral, Dulce, chamada por Oswald de “Dolur”.
“No poema ‘Dreams Can Never be True’, está: ‘Um poema no espelho/ No one but you’. Vemos aqui quase um ready-made linguístico, como o chamara Haroldo de Campos”, explica Schwartz. “Essa série de poemas, verdadeiros achados de Dilea e Gênese, revelam bastidores e exercícios que finalmente hoje vêm à luz”.
Na fortuna crítica de “Poesias Reunidas” está “O Lado Oposto”, carta de Oswald a Menotti del Picchia publicada no “Correio Paulistano”, em 1925, acerca da recepção de seu livro “Pau Brasil”. Começa o poeta: “Apenas me afastei de São Paulo dez dias, e tive o prazer de contar dez tentativas de assassinato da Poesia Pau Brasil”. “O tom ácido e não raro debochado, comum a Oswald, trouxe problemas para suas relações pessoais”, diz Schwartz.
“Oswald perdia o amigo, mas não a piada. Como sempre lembra Antonio Candido, ele não sabia o que era rancor. No dia seguinte, esquecia a piada, o que não acontecia com os amigos. O caso mais conhecido é a sua relação com Mário de Andrade. De uma intensa amizade intelectual a uma ruptura no fim dos anos 20, por conta principalmente de piadas indigestas que nunca foram assimiladas por Mário”, conta.
A edição inclui ainda uma carta de Carlos Drummond de Andrade sobre “Primeiro caderno de poesia...”, de 1928, uma entrevista concedida pelo poeta a Mário da Silva Brito, em 1943, e o clássico ensaio de Haroldo de Campos “A Poética da Radicalidade”, de 1965, além de ilustrações feitas por Tarsila do Amaral e Lasar Segall para várias obras.
O Tempo
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