Para tentar fugir do trabalho massante do dia a dia, seis amigas se juntaram em São Paulo, em 2013, com o intuito de trabalharem juntas a criatividade. Uma delas sabia bordar e decidiu ensinar às outras. Entre agulhas e linhas, elas foram costurando o coletivo Clube do Bordado, que se tornou referência na arte no Brasil e, desde o ano passado, começou a ganhar adeptos também na Europa.
A disseminação das oficinas começou depois que a jornalista Amanda Zacarkim, 29, uma das integrante do coletivo, foi estudar mestrado na Holanda. “Por aqui já ensinei pessoas nas cidades de Nijmegen, Amsterdã e Roterdã. Também atendi diversas turmas de bordado em Lisboa e no Porto (Portugal), o que eu considero uma honra, pela tradição portuguesa com o bordado. Além desses lugares, neste ano vou ministrar oficinas de bordado em Dublin (Irlanda), Barcelona (Espanha) e onde mais surgirem oportunidades”, conta.
Segundo ela, o público da oficina é, em sua maioria, de mulheres europeias. “Na Holanda, já ensinei italianas, eslovenas e espanholas e, em Portugal, um mix de portuguesas e brasileiras. É sempre uma alegria ter turmas tão diversas, porque a troca de conhecimento é vasta e inspiradora”, destaca.
Nas oficinas na Europa, a jornalista foca ensinar os pontos básicos e intermediários do bordado livre, incentivando as alunas a criarem suas próprias ilustrações ou frases, para que continuem se expressando. Amanda conta que cada cidade tem uma relação diferente com o trabalho manual. Na Holanda, por exemplo, em que a produção de moda e produtos têxteis é terceirizada a países em desenvolvimento, as pessoas perderam o contato com os trabalhos manuais.
“Morando no interior (em Nijmegen), fiquei surpresa, porque quase não encontrei armarinhos, o que já é um indicativo de que o trabalho manual não é tão presente. Participei de uma feira e resolvi terminar um bordado enquanto atendia as pessoas, e a reação delas ao ver o processo e saber que aquela ‘ilustração’ era feita no tecido, manualmente, era de muita surpresa”, conta.
As outras cinco integrantes do coletivo ficam por conta das oficinas no Brasil. No ano passado, o Clube do Bordado visitou cerca de dez Estados ensinando a arte. O público também é majoritariamente feminino. Até por causa disso, o feminismo acaba sendo um tema recorrente durante o trabalho.“Já ministramos cursos de bordado com o tema do empoderamento feminino, outros só com desenho erótico, isso depende do contratante”, explica a designer Renata Dania, 30. O coletivo é bastante conhecido por seus bordados com nudez feminina.
Renata conta que, muitas vezes, durante a prática, as meninas aproveitam para discutir suas questões. “Trocamos conhecimento sobre feminismo, legalização do aborto, tudo acontece muito naturalmente, já que são assuntos que interessam às mulheres. Conseguimos resgatar um ofício que sempre foi relacionado às mulheres, valorizar nossa herança, nos expressar e explorar técnicas de ilustração. Isso tudo é bem gratificante”, conclui Renata.
Palavras transformadas por linhas e agulha
“O conto é um estilo literário que se vale de cores e formas. Então ele acaba tendo muito em comum com o bordado. E se torna oportuno bordar um conto”. É assim que Bel Porazza, 60, explica a proposta das oficinas que ela ministra no Rio Grande do Sul, transformando os textos em imagens por meio da agulha e da linha. Em cada oficina é escolhido um conto, geralmente de um autor latino-americano, e os alunos fazem uma interpretação do texto para bordar. “Cada pessoa traz uma visão, e vamos transformando as palavras em imagens e escolhendo a melhor maneira de representá-las no tecido”, relata.
O intuito da oficina é apresentar aos alunos novos autores e tentar descobrir a intencionalidade dos contos. “O interessante é que muitos alunos se interessam pelas obras, e isso desperta neles uma vontade de continuar estudando os autores. Conseguimos alinhar a arte manual ao conhecimento literário”, enfatiza.
De Belo Horizonte para outras cidades
De Belo Horizonte para outras cidades
Uma das marcas mais conhecidas na capital mineira é a No Canto de Cá, da jornalista Carolina Daher, 40, que atualmente vende seus bordados para todo o Brasil. “Recebo encomendas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador, por exemplo. A internet trouxe esse dinamismo e difundiu ainda mais a arte”, avalia Carolina.
Alguns estabelecimentos da capital mineira contam com a arte da jornalista pendurada na parede. “Eu bordo desde criança e recentemente vejo que a arte foi modernizando-se com os quadros e um bordado mais livre, em relação ao ponto e ao estilo”, destaca Daher. Ela conta que os preços variam de acordo com o trabalho que cada bordado exige. “Algumas peças faço em três horas, outras podem exigir 20 dias”, explica.
O Tempo
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