O TEMPO
SÃO FRANCISCO
Ministério Público quer investigação para saber se erros foram da execução ou do projeto
PUBLICADO EM 20/06/17 - 03h00
QUEILA ARIADNE
No dia 10 de junho, um trecho do canal que leva as águas do rio São Francisco para o sertão do Nordeste se rompeu, próximo ao reservatório Copiti, entre as cidades de Sertânia e Custódia, no interior de Pernambuco. Essa foi a segunda vez em três meses que o projeto da transposição enfrentou um vazamento. O primeiro aconteceu em Sertânia, no dia 3 de março, exatamente uma semana antes da cerimônia em que o presidente Michel Temer inaugurou o Eixo Leste da obra.
O segundo incidente fez o Ministério Público Federal (MPF) aumentar a pressão junto ao governo, exigindo mais fiscalização e agilidade na resolução de problemas. O último vazamento demorou três dias para ser reparado.
O MPF cobrou que o Ministério da Integração Nacional fiscalize o rompimento no trecho para saber se o erro foi da execução ou do projeto. Esse pedido foi fundamentado em inquéritos civis públicos que indicam a possibilidade de falhas na construção de outros trechos do projeto da transposição.
O primeiro passo foi formar uma comissão de especialistas e representantes do governo para realizar uma espécie de caça-vazamentos ao longo de todo o projeto da transposição. Durante reunião realizada em Brasília, após o último vazamento, além do reforço da fiscalização pelo Ministério da Integração, ficou definido que os planos de segurança das barragens da Paraíba serão encaminhados à Agência Nacional de Águas (ANA) em até três meses, e que as 12 barragens do Eixo Leste passarão por diagnóstico de um consultor externo.
“Essa comissão é um alento, pois, da forma que a coisa está sendo tocada na base do empirismo, pelo menos uma comissão de especialistas vai percorrer o canal para emitir opinião sobre os pontos mais frágeis da obra e, a partir daí, tomar as medidas necessárias para evitar novos vazamentos”, avalia o engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) João Suassuna.
O Ministério da Integração informou, via assessoria de imprensa, que três dias depois do rompimento, o vazamento já estava controlado. Entretanto, Suassuna afirma que os impactos serão grandes. “A cidade de Campina Grande, na Paraíba, tinha perspectiva de encerrar o racionamento de água no começo de agosto, mas agora vai postergar por mais algum tempo. Não só Campina Grande, mas 18 municípios que serão atendidos pela represa de Boqueirão”, explica.
Suassuna ressalta ainda que o segundo rompimento do canal em três meses demonstra a fragilidade da construção. “Existem denúncias de superfaturamento nessas obras, que tiveram alguns trechos feitos por empresas investigadas na operação Lava Jato”, critica o engenheiro. O trecho onde houve o rompimento da última semana foi responsabilidade da construtora OAS.
Na opinião do especialista em direito ambiental Mário Werneck, o rompimento é uma espécie de “crônica de uma morte anunciada”. “Vai acontecer sempre, pois o material comprado para a obra é o mesmo. Como pode em tão pouco tempo o canal romper duas vezes? Isso mostra que a condução desses trabalhos não foi da melhor maneira possível e leva a crer que construção do canal não atendeu basicamente dois fatores: qualidade do material e condução das águas. Foi um projeto megalomaníaco tocado rapidamente com fins políticos”, afirma Werneck, que atualmente é secretário municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte.
Urgência
Pedido. Em 13 de junho, o ministro da Integração, Helder Barbalho, visitou a presidente do STF, Cármen Lúcia, e apresentou urgência para a retomada das obras do trecho 1N do Eixo Norte.
SOBRE O PROJETO
Quando começou:
As obras da transposição das águas do rio São Francisco começaram em 2007
Metas:
A previsão era finalizar em 2012, com orçamento de R$ 4,5 bilhões
Quanto já foi gasto:
Cerca de R$ 9,6 bilhões
Objetivo:
Levar água para 12 milhões de pessoas em Pernambuco, Ceará e Paraíba
Até agora
770 mil pessoas foram beneficiadas
EM DEZ ANOS
Orçamento mais do que dobrou
As obras da transposição das águas do rio São Francisco começaram em 2007 e a meta era de conclusão em 2012, gastando cerca de R$ 4,5 bilhões. Hoje, dez anos depois e com orçamento de R$ 9,6 bilhões, ainda não estão 100% concluídas. O engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) João Suassuna afirma que existiam vários outros caminhos mais baratos, como a interligação de represas, mas o governo escolheu a obra mais cara. “Temos mais de 70 mil represas no Nordeste. O problema nunca foi falta de água, mas de gestão hídrica. Em 2007, quando a obra da transposição começou, chegaram a falar que custaria cerca de R$ 6 bilhões. Até agora já se foram R$ 10 bilhões”, ressalta o engenheiro.
De acordo com o especialista em direito ambiental Mário Werneck, embora tenha atendido de forma humana às pessoas, o projeto não tinha a menor necessidade. “Foi dinheiro mal usado. Essa obra não precisava acontecer de forma tão galopante, sem projetos hidrossanitários. Tudo poderia ter sido feito de outra maneira, como perfuração de poços artesianos”, destaca.
Sobre o segundo vazamento do canal em três meses, Werneck destaca que todas as pessoas envolvidas devem ser responsabilizadas não só tecnicamente. “Cabe a essas pessoas a responsabilidade civil e penal”, afirma. O Ministério da Integração Nacional informou, via assessoria de imprensa, que notificou as empresas responsáveis tais como projetistas, construtoras e supervisora, para que as causas que motivaram o rompimento sejam esclarecidas. (QA)
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