domingo, 4 de junho de 2017

Propina consome até 5% do faturamento das empresas

É político pedindo dinheiro para empresário. É entidade de classe escrevendo emenda para deputado apresentar em projeto de lei. É edital pensado para ajudar a empresa amiga. “A corrupção que assola o país acontece desde os tempos da Mesopotâmia”, comparou um empresário mineiro de uma indústria de grande porte, referindo-se a um dos berços da civilização. Ele é um dos dez grandes empresários mineiros que só aceitaram contar à reportagem um pouco de como funcionam essas abordagens e combinações sob a condição de total anonimato. Pelos cálculos desses empresários, as empresas têm que reservar entre 1% e 5% do faturamento para pagar propina. “Já está precificada. Dependendo da obra, já deixam reservado. Tem que ter o ‘propinoduto’”, dizem.
O assédio acontece em qualquer esfera – seja candidato a deputado, vereador, prefeito, governador e senador –, “só mudam os cifrões”, segundo um executivo. Os valores começam em R$ 150 mil, mas a média, conforme contam, é de R$ 3 milhões. “O pedido é conforme o padrão da empresa e o relacionamento que o político tem. Os políticos avaliam o faturamento, a margem de lucro da empresa. Tudo. Muitas vezes, o empresário está inadimplente, está esperando um Refis novo. Aí ele paga para ter essa benesse lá na frente”, conta um deles.

A relação se dá de várias maneiras, conta outro executivo. “Se a empresa precisa transformar uma área em bairro, por exemplo, ela procura ou é procurada pelos políticos. É um toma lá dá cá. A propina vai depender do valor do empreendimento”, conta.

Na avaliação do professor de ciência política do Ibmec Adriano Gianturco, não adianta investigar obras para buscar casos de corrupção. “É mais fácil buscar as limpas, e duvido muito que encontre algo. Nenhuma obra é pensada para o social, mas para encontrar um jeito de desviar dinheiro. Eu costumo brincar sobre a merenda escolar. Você acha que é um projeto para colocar comida na barriguinha do seu anjinho? Não. É para beneficiar algum amigo de um político que tem uma indústria de alimentos. Então, o deputado ou vereador inventa um projeto. Não é ilegal, mas…”, diz. “Quem não aceita as regras fica fora do grande jogo”.
Mais um empresário ouvido pela reportagem afirma que, se tivesse entrado no jogo, sua empresa teria o triplo do tamanho. “Já tentei BNDES cinco vezes, sem sucesso”, afirma. Procurado por alguém que se intitulou como consultor de mercado, o empresário conta que pediram a ele 2% de propina em cima do valor do financiamento solicitado, que era de R$ 10 milhões. “Meu objetivo era comprar equipamentos e construir. Essa pessoa me ligou e ofereceu o serviço, dizendo que com 2% entregava o financiamento em 15 dias. Não paguei nada, e até hoje estou tentando”, contou. O BNDES afirma, em nota, que “não reconhece nem credencia consultores (pessoas físicas ou jurídicas) como intermediários para facilitar, agilizar ou aprovar operações de crédito”.
Ranking
2016. Estudo da Transparência Internacional aponta o Brasil como 79º no ranking que considera a corrupção entre servidores públicos e políticos de 176 países. O menos corrupto é a Dinamarca, e o mais, a Somália.


REVOLUÇÃO

Muito além de prender e investigar

Investigar e prender pessoas poderosas é um bom começo, mas, segundo o professor de ciência política do Ibmec Adriano Gianturco, isso não basta para acabar com a corrupção. “Para mudar o futuro, é preciso mudar as regras, as leis. Caso contrário, daqui a dez anos, estaremos falando de novo sobre corrupção”, avalia. Entre as mudanças, ele defende o fim das estatais. “A quantidade de dinheiro que circula nas estatais é algo chocante. Isso deveria ser abolido ‘ontem’, pois sempre será alvo de corrupção e favoritismo”, diz.
Para o professor da Faculdade de Direito da UFMG Rodolfo Viana Pereira, o caminho passa pela descentralização federativa. “Hoje, a União é gigante em termos de orçamento, e fica pouco para Estados e municípios, que, na verdade, são os que têm mais condições de definir as prioridades de investimentos e também de se responsabilizar pela fiscalização”, afirma. (QA)
O Tempo

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