Desde a adolescência, Matheus Leitão conhecia as histórias de perseguição, prisão e tortura sofridas por seus pais, os jornalistas Marcelo Netto e Míriam Leitão, durante a ditadura. Mas foi em 2004, quando teve acesso ao processo respondido pelos dois – que se encontrava arquivado no Tribunal Militar, com informações, documentos e fotos –, que ele decidiu transformar isso num livro.
“Queria retratar com fidelidade como era viver naquele período, os crimes, e como o Brasil lidou com ele depois, para que meus filhos não se esqueçam da luta dos meus pais”, explica Matheus. No entanto, sempre que começava a escrever, ele se sentia impedido, paralisado, pelo seu envolvimento emocional com o material. Foi só em 2012, quando foi estudar nos EUA e entrou em contato com o conceito de “self-journalism” (auto-jornalismo) na Universidade de Berkeley, que viu “uma porta se abrir para que eu pudesse atravessar”.
“Entendi que meu envolvimento pessoal não tornava a história menos importante. E que podia revelar detalhes de como era viver na ditadura, partindo da história familiar para retratar aquele período”, conta. Matheus voltou de lá pronto para encarar o desafio, e o resultado é “Em Nome dos Pais”, que ele lança no Sempre um Papo nesta quarta-feira (7), às 19h30, no Auditório da Cemig.
Dividido em três partes, o livro acompanha o autor investigando as circunstâncias – e as consequências – da prisão dos pais, então universitários militantes do PCdoB, em 1972. Na primeira, Matheus vai atrás do “companheiro” que delatou o casal. E nas duas últimas, ele confronta os militares que participaram da tortura e de todo o processo sofrido por eles. “O que mais me impactou foram as reações deles. Estive frente a frente com o delator, os torturadores, em conversas muito intensas, e as reações, de todos os tipos, foram muito marcantes para mim, para o bem e para o mal”, admite o autor.
Segundo ele, porém, o mais difícil, no processo de feitura do livro, foi lidar com a negativa, por parte do exército, de fatos fartamente documentados, como a tortura nas prisões. “Em Nome dos Pais” revela nomes de dezenas de militares envolvidos nessas práticas, e Matheus revela que chegou a ser ameaçado com processos durante a investigação.
“Pior que isso, porém, é a negativa dos fatos. Alguém que te responde ‘não teve ditadura no Brasil’. Um comportamento que, para mim, reflete a forma como o Estado Democrático, no momento pós-regime militar, lidou com fatos que ocorreram sob o comando do regime”, desabafa. Para ele, o fato de que o Brasil escolheu não revisitar sua história como deveria dá respaldo a essa recusa do próprio exército em assumir qualquer responsabilidade e à impunidade 32 anos depois.
“Fiz pedidos oficiais, queria entrar no quartel onde meus pais foram torturados, e não pude. O mesmo quartel que o exército, hoje, sem dinheiro, aluga para casamentos e formaturas, porque não deseja essa memória ali, quer outra”, conta. Matheus solicitou ainda o boletim interno em que constam os nomes de todos os militares presentes no quartel nos dias em que seus pais estiveram presos. “Ele existe no arquivo do exército, mas não quiseram me entregar, mesmo com a lei afirmando que o acesso a qualquer documento envolvido em violações de direitos humanos não pode ser negado”, explica.
Ainda que considere essas negativas da existência dos crimes, e mesmo do acesso a documentos, “ofensivas”, o autor acredita que a história de seus pais – que sobreviveram, ainda que marcados – é “menor” diante do enorme número de corpos que permanecem desaparecidos até hoje. “Isso é reflexo da forma como o Brasil lidou com esse tema. Ainda se aguarda um pedido de desculpas pelos crimes cometidos na ditadura. É assim que se reconstrói uma nação”, demanda.
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Sempre um Papo apresenta “Em Nome dos Pais” (editora Intrínseca, 448 pág., R$ 49,90), de Matheus Leitão
Quando. Nesta quarta-feira (7), às 19h30
Onde. Auditório da Cemig – rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho
Entrada gratuita
Quando. Nesta quarta-feira (7), às 19h30
Onde. Auditório da Cemig – rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho
Entrada gratuita
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