quinta-feira, 5 de abril de 2018

Crise institucional

Amadeu Garrido de Paula

Das mais graves, povoa hoje nossa polis. Dramática, como todas as crises do gênero.

A mais trágica é aquela que atinge a Corte Suprema de um País. Com efeito, tremem, qual no epicentro de um terremoto na escala de oito graus, os pilares fundamentais de uma sociedade organizada, quando a Corte Suprema passa a ser incongruente, irracional.

Isto porque o bom direito é essencial à sobrevivência das nações e suas Cortes Supremas - nosso Supremo Tribunal Federal - são soberanas. E soberania significa o "poder incontrastável de dizer em última instância sobre a eficácia do direito".

Proclama nossa Constituição que somos um Estado Democrático de Direito. Simples são as linguagens, porém ora revelam adequadamente os fatos, ora os encobrem, ora são compostas de expressões ocas.

Seria possível sermos um Estado Democrático, sem ser um Estado de Direito? Obviamente que não. A expressão, inclusive, é pleonástica, porque, sendo democrático, o estado só pode ser regido pelo direito. Mas este, seja técnica, arte ou ciência, é inevitavelmente composto de contradições, lacunas, imprecisões etc. Esses desafios são mais amiúdes no direito processual, aquele ramo que rege como o direito deve ser entregue aos jurisdicionados pelos juízes.

Os estudos jurídicos - e são um imenso universo intelectivo - existem exatamente para que essas contingências obstrutivas da lógica e da boa razão sejam superadas. Não à toa a Constituição fala em "notável saber jurídico" como requisito de nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Todos os atuais Ministros do STF têm "notáveis saber jurídico". Só que essa expressão pouco esclarece. Permanece mais na intuição nossa impressão, acima mencionada.

E o mais importante: essa qualidade, não raro, pode ser materializada por simples exercício do bom senso. Neste, é uma corriqueirice entender que as questões subordinantes devem reger as subordinadas. Fazemos isso cotidianamente.

Dito isto, grita a incongruência do procedimento do STF quanto ao último julgamento de um ex-presidente. E não posso entender que prefiro o populista na cadeia já, ao conserto de nossas instituições.

O STF, como guarda da Constituição, age de dois modos: a) controla abstratamente a eficácia das cláusulas constitucionais e b) controla subjetivamente, é dizer, nos processos entre pessoas individualizadas que lhe são submetidos. Na primeira hipótese, diz que uma lei é compatível com a Constituição Federal ou não. Vale para toda a humanidade que se encontra no território de sua jurisdição. Na segunda, a decisão não passa das cercas do processo subjetivo; em outro processo, outra compreensão poderá vingar, embora seja desejável ter-se entendimento único sobre as matérias, porque o homem não compreende como possa não ter conquistado um direito, que foi obtido por seu amigo.

Ora, é evidente que as decisões genéricas, sobre o mesmo assunto, devem anteceder as individuais. É o tal bom senso.
         
Há duas ações genéricas liberadas para julgamento por seu Relator, Ministro Marco Aurélio, que, por óbvio, deveriam ser pautadas para exame antes do julgamento do habeas corpus impetrado em favor de Lula. Mas veio, primeiro, o julgamento individual. Talvez pela pressa da defesa e pressão social, que não deveriam influir sobre a conduta do STF; ou por simples delírio  ou falta de imparcialidade da Ministra Cármem Lúcia, Presidente.

Por isso é que o Ministro Marco Aurélio Mello, amiúde vencido, mas que não pode ser visto como um homem desprovido de senso bom e lógico, classificou-a de "todo poderosa". Visto que tinha a intenção de suscitar uma questão de ordem, para que as ações abstratas fossem julgadas em primeiro lugar, mas não o fez, em homenagem ritualística à presidência, restou-lhe o lamento: se arrependimento matasse, seria um homem morto.

Quase morta está a instituição suprema de nosso Judiciário. Um Presidente, de qualquer Colegiado, tem como poder maior a autoridade de manipular a pauta. Se isso ocorre a seu gosto e arbítrio, no Legislativo e no Judiciário, no mínimo estamos todos moribundos.
                                                         
Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário