O TEMPO
EXPERIMENTALISMO
Acaba de sair no Brasil a obra mais famosa do escritor uruguaio, morto em 2004, que reflete sobre tempo e inspiração
PUBLICADO EM 14/04/18 - 03h00
BUENOS AIRES. Há uma máxima no meio da crítica literária latinoamericana que sugere que os argentinos produzem os melhores contistas; os chilenos, os melhores poetas; e os uruguaios, os melhores escritores estranhos. Mario Levrero (1940-2004) seria um dos mais famosos entre estes últimos. Sua estranheza estaria ligada ao experimentalismo com a linguagem e a relação com o surrealismo. “Creio que meu pai concordaria com essa classificação, embora questionasse o que seria, então, a normalidade. Sempre foi um escritor muito intuitivo”, afirma seu filho, Nicolás Varlotta.
Sai agora no Brasil “O Romance Luminoso” (Companhia das Letras), obra póstuma do autor, lançada em 2005. Tida como seu romance mais famoso, é estranho desde seu formato. O longo prólogo (mais de 400 páginas) é uma espécie de diário em que conta como, apesar de ter recebido uma bolsa da fundação Guggenheim, em 2000, para desenvolver o projeto antigo de um romance, não consegue escrever uma linha do livro.
Em vez disso, conta detalhes de seu dia a dia, o que inclui suas atividades domésticas, questões de logística cotidiana, uma pormenorizada descrição de sua atividade de procrastinação – ao mesmo tempo propondo questionar a rápida passagem do tempo diante de um romance cuja escrita talvez seja impossível concluir. Ao final, as cento e poucas páginas que compõem o romance propriamente dito são praticamente as mesmas do projeto abandonado mais de 20 anos antes e cujo propósito da bolsa era desenvolver.
“Ele teve anos muito produtivos no início”, diz o filho de Levrero. “Eu particularmente prefiro seus primeiros livros, curtos, mais imaginativos. Depois que ganha essa bolsa, parece que tem a sensação de que perdeu a inspiração e se propõe então a refletir sobre isso”, explica. Varlotta reconhece que “O Romance Luminoso” se transformou na obra mais conhecida do pai, mas crê que sua produção anterior também merecia ser tão reconhecida quanto esse livro, que ganhou aura cult.
“Claramente a primeira parte se transformou em algo mais importante que o projeto do romance em si, que só aparece no final”, diz o escritor e crítico Elvio Gandolfo. “Mas ele gostou do resultado e queria que saísse assim”, frisa o argentino, que conheceu Levrero. “Não é uma obra inacabada. Ele fez várias correções e entregou ao editor assim como chegou aos leitores”. E acrescenta: “Seus outros livros saíram como um raio; neste, se nota que passou por outro processo mental”.
Levrero passou a maior parte da vida em Montevidéu, mas foi em longas temporadas em Buenos Aires que se sentiu mais acolhido. “Ele não era de frequentar os encontros literários, mas Buenos Aires lhe deu mais espaço e mais tranquilidade para escrever, além de mais reconhecimento, ainda que num círculo restrito”, diz Varlotta. Durante sua vida, interrompida por um aneurisma, Levrero não recebeu o reconhecimento que vem tendo agora, com suas obras reeditadas e traduzidas.
Serviço. “O Romance Luminoso” De Mario Levrero Editora: Cia. das Letras. Quanto: R$ 84,90; 648 páginas.
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